domingo, 16 de marzo de 2008

permanencias da intolerancia na História

por que ser antimperialista!!!

Porque apelo aos boicotes dos produtos dos EUA
- Por cada produto dos EUA que se compra, seja produzido directamente nos EUA ou sobre licença noutro país, uma percentagem do dinheiro serve para apoiar a máquina de guerra dos EUA. Esta máquina serve para criar, à força, novos mercados para os seus produtos. Desde o fim da segunda guerra mundial, os EUA têm estado em guerra de expansão económica contínua. A recente Guerra no Iraque e a anunciada guerra contra o Irão e Síria são apenas as últimas etapas do imperialismo económico dos EUA. É o consumidor que tem nas mãos o poder para recusar comprar produtos dos EUA, recusar alimentar a sua máquina de guerra, responsável pela morte de milhões de pessoas, de El Salvador ao Vietname. Nunca nenhuma destas intervenções militares dos EUA resultou na instauração de uma democracia, e com frequência resulta na queda de um governo democrático, como no Chile, ou na divisão de uma país, como na Coreia.
- Ao comprar produtos dos EUA está-se a apoiar um país que condena à morte menores de 18 anos, que executa pessoas com deficiências mentais, que condena a prisão perpétua pessoas que roubaram sem violência bens inferiores a 150 euros.
- Ao comprar produtos americanos está-se a apoiar a economia de um país que não reconhece a estrangeiros, incluindo portugueses, qualquer tipo de direito perante a lei. Se o Governo dos EUA assim o decidir, um português a viver ou a visitar os EUA pode ser preso sem mandato judicial, não tem direito a ser presente a um juiz, não pode contactar a família, não tem direito a advogado, não tem direito a contactar a embaixada, não tem direito a uma acusação formal, não tem direito a tradução dos procedimentos contra si. O Governo dos EUA tem ainda direito a abrir o correio dos emigrantes sem autorização judicial e a monitorizar os seus telefones, correio electrónico e contas bancárias. Como seria se não fossem nossos aliados...
- Os EUA acabaram de instaurar um regime de registo obrigatório de emigrantes de países árabes, reminescente do registo judeu antes da segunda guerra mundial. Existe ainda uma lista negra arbitrária e não contestável para pessoas, cidadãos e emigrantes, que passam a estar proibidas de andar de avião.
- Os EUA não respeitam legislação internacional de ambiente, não respeitam a Organização Mundial de Comércio, impondo tarifas unilaterais e ilegais a produtos portugueses, não respeitam os tratados que assinaram de controle de armas químicas e biológicas e anti-balísticos, não respeitam os direitos dos presos de guerra, torturando-os e mantendo-os em condições sub-humanas, como se vê na Baía de Guantanamo.
- a economia do EUA tem usado o seu poder persuasivo, conferido por todos nós ao consumirmos os seus produtos, para forçar países a liberalizar a água e electricidade. Estes serviços são então comprados por empresas como a Enron, forçando tarifas altíssimas aos consumidores, levando a população mais carecida a não conseguir pagar e a perder o acesso a água potável e electricidade. Isto para que as empresas americanas possam enriquecer os seus quadros executivos.
- nos últimos 20 anos, o salário médio de um chefe executivo de uma empresa dos EUA cresceu de cerca de 20 vezes o salário médio dos trabalhadores para cerca de 1000 vezes o salário médio dos trabalhadores. O teu dinheiro e o meu dinheiro servem para pagar num mês a um chefe executivo aquilo que nos levaria mais de 80 anos a ganhar!




Boicote à Máquina de Guerra dos EUA
O Império Unido Americano encontra-se em nova fase de expansão. O objectivo? Novos mercados para os seus produtos. A Excursão Imperialista no Iraque já custou a vida a milhares de pessoas, inocentes triturados na máquina de produção em cadeia do armamento dos EUA. Tudo isto é possível porque os EUA possuem as maiores e mais caras forças armadas do mundo, financiadas por uma economia multinacional que precisa de mim e de si para comprar os seus produtos.
Na década de 1980, o Império Soviético foi à falência e em pouco tempo deixou de ser uma força activa de destabilização da paz mundial. O mesmo pode acontecer com o Império dos EUA. Basta que a sua economia falhe. Basta que nós deixemos de consumir, tanto quanto possível, os seus produtos. E não se deixe levar pela retórica barata de quem quer manter o status quo. Este é um boicote anti-imperialismo dos EUA, não um boicote anti-EUA. Ninguém diz que este boicote será fácil. O nosso dia-a-dia está de tal forma dependente de produtos dos EUA que em muitas situações é difícil encontrar alternativas. Nestas situações não desperdice energias. Boicote sempre que possível, mas não boicote o seu boicote por tentar ir mais longe do que o seu tempo e energias permitem. No entanto esta dependência deve ser um aviso. É perigoso estar dependente de um país tão unilateralista e servidor dos seus interesses, sem respeito pela lei internacional ou seus aliados.
Se conseguir trocar permanentemente um ou dois produtos de empresas dos EUA por outros de outra proveniência está já a dar um importante contributo. Faça o seu melhor.

a construção da paz pelo amor resiste!!!

CULTURA PERIFÉRICA
Nas quebradas, toca Raul
Um bairro da Zona Sul de São Paulo vive a 1ª Mostra Cultural Arte dos Hippies. Na periferia, a pregação do amor e liberdade faz sentido. É lá que Raul Seixas continua bombando em shows imaginários, animando coros regados a vinho barato nas portas do metrô, evocando memórias e tramando futuros
Eleilson Leite

No próximo domingo, dia 9 de março vai acontecer a 1ª Mostra Cultural Arte dos Hippies. O evento terá lugar na Praça do Campo Limpo, gema da periferia da Zona Sul de São Paulo. A parada começa às 10h e segue até às 20h. A idéia, segundo os organizadores é reunir o maior número de “sobreviventes” da cultura hippie, promover uma feira, curtir um som e, com isso, reiniciar um movimento que teve seus tempos de glória, no Brasil, nos anos 70. Se nos EUA os hippies escolheram uma bucólica fazenda no Interior do Estado de Nova York para celebrar a paz e o amor, no final da década de 60, o Woodstock paulistano fica num dos picos periféricos mais adensados e conflituosos da Capital. Mas ser hippie hoje, em nossa terra, só na periferia. É na quebrada que a pregação do amor e da liberdade faz mais sentido. Tanto como valor intrínseco às comunidades , como demanda às autoridades. Mas ser hippie é coisa também de quem gosta do Raul Seixas — patrono do evento, juntamente com Bob Marley. Nada mais justo que essa homenagem ao Raul.

Raul Seixas já era um ídolo para os hippies dos anos 70 e 80. Mas virou um mito para parte da geração que tem hoje vinte e poucos anos e sequer viu uma apresentação do compositor baiano. O organizador da Mostra de Cultura Hippie, Valdecir Jr., conhecido como Jotta Erry, é um exemplo dessa rapaziada. Tem apenas 24 anos. E olha o perfil do cara. Terminou o segundo grau e ainda aspira à faculdade. Mora na periferia, trabalha na ONG Rede Rua, como educador junto às pessoas que vivem nas calçadas e sob viadutos. Jotta Erry é fã do Raul e toca reggae na banda Raízes de Javé. É um típico artista da periferia: talentoso, solidário, empreendedor e ativista. Quando o Raul morreu, tinha apenas 5 anos. Não pôde vê-lo em ação, mas embalará, com seu evento, os ideais da Sociedade Alternativa, defendida pelo seu ídolo.

Eu sou dos anos 80 e acabo de fazer 40. Vi dois shows do velho Raul. Sinto-me um privilegiado. Mesmo naquela época, era rara uma aparição do Maluco Beleza nos palcos. E quando aparecia, não era garantia que o show rolasse. Raul chegou a ser preso em 1982, acusado pela platéia de ser um impostor. A treta rolou em Caieiras, município da Grande São Paulo. Ele entrou no palco pra lá de bêbado e não conseguia lembrar as letras. A galera irada foi às vias de fato. Raul saiu escoltado e foi dar explicações na delegacia mais próxima. Parecia ser o fim.

Mas ele ressurgiu. No ano seguinte, no dia 26 de fevereiro, mais de 10 mil pessoas lotaram o ginásio do Palmeiras para ver o retorno épico de Raul Seixas. E eu estava lá. Havia acabado de fazer 15 anos. A platéia, ansiosa, alternava momentos de confiança e descrédito. O cara entrou no palco, já passava da meia noite. Se o Raul não aparecesse naquela noite, talvez o ginásio do Verdão viesse abaixo, literalmente. O público delirava e Raul, não bastasse o inusitado de sua presença, resolveu surpreender ainda mais. Com Tony Osanah na guitarra, e Miguel Cidras nos teclados, só tocou clássicos do rock norte-americano dos anos 50. Em tom professoral, introduziu sua aula: “o rock começou no Mississipi, nos anos 50 com Arthur Big Boy Grudup, que influenciou um cara chamado Elvis Presley com uma canção mais ou menos assim…”. E mandou My baby left me. E assim foi durante um pouco mais de uma hora. Nada de Gita, Maluco Beleza, Ouro de Tolo. O povo gostou, mas reclamou. No fim, valeu pelo momento histórico. Quem quiser conferir é só ouvir o CD lançado pela Eldorado contendo o registro deste show.

Raul morreu em agosto de 1989, e foi então que os universitários enterraram o cara mesmo. Mas acontecia um movimento inverso, nos bairros de periferia
Depois desta apresentação, mais um período de ostracismo e internações, até que Raul entrou em estúdio, depois de três anos sem gravar. Tirou do forno um grande disco. Trata-se do Raul Seixas, álbum que veio ancorado em dois mega sucessos: Carimbador Maluco e DDI, rocks bem ao estilo Raul, fã incondicional de Elvis Presley. Comprei o disco no dia em que chegou nas lojas. Lá no bairro, fui o primeiro a chegar com a novidade. Reunimos a galera e nos deliciamos com as novas canções. Raul estava de volta. E voltou com gás. Dava entrevistas, participava de sessões de autógrafos. Chegava três horas atrasado, é verdade, mas aparecia. Fui a uma dessas sessões, numa loja no Top Center na Av. Paulista. Estava marcado para as 11h. Negociei no trampo uma hora a mais de almoço. Cheguei pontualmente. A fila era enorme. Deu meio dia e nada. Muita gente desistiu. “O Raul não tem jeito” resignavam-se os fãs menos convictos. Meu acordo era de estar de volta ao escritório as 13h. Liguei em casa. Pedi para meu irmão de apenas doze anos vir me substituir na fila. Morava na periferia da Zona Norte. O moleque chegou as 13h20 e o Raulzito nada de aparecer. Tomei bronca do chefe e fiquei sem almoçar naquele dia. Lá pelas 14h30, liga o garoto. “E aí, ele apareceu?”, perguntei incrédulo. “Apareceu, mas o autógrafo ficou no meu nome”, respondeu o mano. Naquele dia entendi o significado da expressão “gozar com o pau dos outros”. Guardei a relíquia por muitos anos.

Não sei bem a data, mas fui ver o show de lançamento deste disco, agora, que ironia, no Ginásio do Corinthians. Era 1984. Raul faria apenas um show. Com ele, não tinha esse negócio de temporada. Tampouco, os empresários topavam qualquer acordo do gênero. O risco de furo era permanente. Novamente, casa lotada. Tinha quase 10 mil pessoas, imagino. Dessa vez, o público estava confiante. O Raul estava bombando nas rádios e na TV. Até no Balão Mágico, programa infantil da Globo, para o qual escreveu Carimbador Maluco, ele aparecia. Vivia um momento de astro. Na abertura, nada menos que as duas maiores bandas de rock da época: Tutti Fruti e Made in Brazil. Raul entrou triunfante no palco. Uma banda super afinada com Tony Osanah e Miguel Cidras novamente o acompanhando. Mandou super bem os sucessos do momento e do passado. Uma glória. Este era o velho Raul. O público curtiu sem muita ansiedade. O clima era de paz e amor. Acabado o espetáculo, a multidão saiu pelas ruas do Tatuapé, como se estivesse numa procissão. Um puxava os primeiros versos de uma canção e os demais seguiam em coro. Muita gente sentou na porta da estação do Belém do Metrô e por ali ficou até as 5h esperando o portão abrir, cantarolando Raul sem parar, em rodas regadas a vinho Natal, comprado nos butecos especializados em atender os insones que vagueiam na madrugada. Eu subi num buzão na Av. Celso Garcia. Segui para o Centro e de lá, as 4h peguei o Negreiro, nome que se dava ao ônibus que cobria a rota para as periferias depois da meia noite. Percebi que muita gente fazia o mesmo itinerário.

Quando entrei na USP, em 1988, comprovei que a classe média ilustrada e politizada torcia o nariz para o Raul Seixas. O pessoal gostava dos medalhões da MPB (Chico, Caetano, Gil, Milton, etc.) e da Vanguarda Paulistana, que ainda gozava de amplo prestígio: Arrigo Barnabé, Itamar Assunção, Premeditando o Breque entre outros. Rock? Ah, era a nova geração: Titãs, Paralamas, Legião Urbana, Barão Vermelho, Lobão e toda essa galera. Bom. Eu gostava de tudo isso, mas não tirava o Raul do topo de minhas preferências. Sentia-me meio um ET, nas conversas na mesa do bar. Saquei que meu apreço pela Raul tinha a ver com minha procedência. Muitas vezes, eu era o único ali que veio do subúrbio. Ser da periferia na USP, naquele tempo, era algo tão improvável que até moradia estudantil eu consegui. Lembro-me que a assistente social foi até em casa para checar minhas “condições de vida”. Assinou na hora a aprovação de minha vaga no CRUSP e ainda me deu bolsa-alimentação.

Para meus amigos, curtir Raul era coisa de “bicho grilo”, expressão desdenhosa para se referir aos hippies que insistiam em manter a conduta paz e amor. O Raul morreu em agosto de 1989, e aí que os universitários enterraram o cara mesmo. Mas acontecia um movimento inverso, nos bairros de periferia. Crescia a legião de fãs do Maluco Beleza. E muitos jovens aderiram à Raulmania, formando fãs-clubes, grupos de discussão sobre a Sociedade Alternativa, e tudo mais. Olha que louco! Essa galera saía em bandos para ver shows de artistas covers do Raul. Em apresentações de outros artistas era comum gritarem do meio da platéia: “Toca Raul!”. Virou um bordão. O Zeca Baleiro tem brincado com isso em seus shows. No programa BR 102 da Rádio Kiss FM tem lá uma seção “Toca Raul!”. Outro dia fui ver uma apresentação de um cover do Raul no Ibira Moto Point, encontro semanal de motoqueiros no Ginásio do Ibirapuera. Tinha uma multidão. A rapaziada era toda da periferia. Entrei no meio e curti um bocado. Notei que lembrava a letra inteira de dezenas de canções. Tornar-se fã do Raul é como andar de bicicleta. Você pode ficar um tempo inativo, mas não capota da magrela nunca mais.

Que bom ver agora esta belíssima iniciativa da Primeira Mostra Cultural Arte dos Hippies, que vai rolar no Campo Limpo, no próximo domingo. Entre as 8 bandas programadas para subir no palco evento, uma delas só toca Raul. É a Tecora. Todas as demais são de Reggae. Jotta Erry me explicou que os hippies estão muito ligados no som da Jamaica. “O reggae virou a trilha sonora dos que seguem o estilo de vida hippie”, diz o educador. Mas o Raul está no coração de todos e é inspiração permanente. “A galera se reúne em grupos e nas rodas só dá Raul”, completa Jotta Erry. O Maluco Beleza estará onipresente. Raul Seixas continua sendo negligenciado ou mal-compreendido pela elite, pela intelectualidade. Mas na periferia, ele é reverenciado. Toca Raul!

Mais:
1ª Mostra Cultural Arte dos Hippies:
Dia 09/03 (domingo), das 10h às 20h.
Praça do Campo Limpo - Estrada do Campo Limpo s/n.
Entrada franca. (11) 9969-3181 c/ JottaErry.
bandaraizesdejave@yahoo.com.br

Agenda Cultural da Periferia: Para baixar (formato pdf), clique aqui

Eleilson Leite é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique. Edições anteriores da coluna:

No mundo da cultura, o centro está em toda parte
Estamos dispostos a discutir a cultura dos subúrbios; indagar se ela, além de afirmação política, está produzindo inovações estéticas. Mas não aceitamos fazê-lo a partir de uma visão hierarquizada de cultura: popular-erudita, alta-baixa. Alguns espetáculos em cartaz ajudam a abrir o bom debate


Do tambor ao toca-discos
No momento de maior prestígio dos DJs, evento hip-hop comandado por Erry-G resgata o elo entre as pick-ups, a batida Dub da Jamaica e a percussão africana. Apresentação ressalta importância dos discos de vinil e a luta para manter única fábrica brasileira que os produz


Pirapora, onde pulsa o samba paulista
Aqui, romeiros e sambistas, devotos e profanos lançaram sementes para o carnaval de rua, num fenômeno que entusiasmou Mário de Andrade. Aqui, o samba dos mestres (como Osvaldinho da Cuíca) vibra, e animará quatro dias de folia. Aqui, a 45 minutos do centro da metrópole


São Paulo, 454: a periferia toma conta
Em vez de voltar ao Mercadão, conheça este ano, na festa da cidade, Espaço Maloca, Biblioteca Suburbano Convicto, Buteco do Timaia. Delicie-se no Panelafro, Saboeiro, Bar do Binho. Ignorada pela mídia, a parte de Sampa onde estão 63% dos habitantes é um mundo cultural rico, diverso e vibrante


2007: a profecia se fez como previsto
Há uma década, os Racionais lançavam Sobrevivendo no Inferno, seu CD-Manifesto. O rap vale mais que uma metralhadora. Os quatro pretos periféricos demarcaram um território, mostrando que as quebradas são capazes de inverter o jogo, e o ácido da poesia pode corroer o sistema


No meio de uma gente tão modesta
Milhares de pessoas reúnem-se todas as semanas nas quebradas, em torno das rodas de samba. Filho da dor, mas pai do prazer, o ritmo é o manto simbólico que anima as comunidades a valorizar o que são, multiplica pertencimentos e sugere ser livre como uma pipa nos céus da perifa

A dor e a delícia de ser negro
Dia da Consciência Negra desencadeia, em São Paulo, semana completa de manifestações artísticas. Nosso roteiro destaca parte da programação, que se repete em muitas outras cidades e volta a realçar emergência, diversidade e brilho da cultura periférica

Onde mora a poesia
Invariavelmente realizados em botecos, os saraus da periferia são despojados de requintes. Mas são muito rigorosos quanto aos rituais de pertencimento e ao acolhimento. Enganam-se aqueles que vêem esses encontros como algo furtivo e desprovido de rigores

O biscoito fino das quebradas
Semana de Arte Moderna da Periferia começa dia 4/11, em São Paulo. Programa desmente estereótipos que reduzem favela a violência, e revela produção cultural refinada, não-panfletária, capaz questionar a injustiça com a arma aguda da criação

A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza
Vem aí Semana de Arte Moderna da Periferia. Iniciativa recupera radicalidade de 1922 e da Tropicália, mas afirma, além disso, Brasil que já não se espelha nas elites, nem aceita ser subalterno a elas. Diplô abre coluna quinzenal sobre cultura periférica


extraído de: http://diplo.uol.com.br/2008-03,a2257

domingo, 9 de marzo de 2008

Evo Morales fala sobre América Latina

Entrevista con Evo Morales

"Hemos llegado al gobierno pero no tenemos el poder todavía"

Néstor Kohan e Itai Hagman

AMAUTA

En plena efervescencia política, el colectivo AMAUTA de Argentina ha sido
invitado a Bolivia para inaugurar varias Cátedras Che Guevara y Escuelas de
Formación Política. Dos de ellas fueron organizadas por compañeros del MAS
(incluyendo desde diputados y equipos de gobierno hasta militantes de base).
La otra por la organización Patria Insurgente. Más allá de los matices
políticos de estas diversas iniciativas, AMAUTA se encontró en todos esos
espacios con antiguos militantes y combatientes del ELN (Ejército de
Liberación Nacional), fundado por el Che Guevara y sus compañeros. Algunos
de ellos lo conocieron personalmente a Robi Santucho. Otros lucharon en
Chile, en Nicaragua y en otros países. No resulta casual que en las diversas
lecturas del proceso político y social que actualmente vive Bolivia, la
herencia del Che Guevara continúa inspirando los anhelos y proyectos de
transformación social radical.

Bolivia se encuentra hoy en medio de un agudo conflicto político donde la
derecha más recalcitrante, alentada y asesorada por la CIA y la USAID,
pretende independizarse y lanzar una insurrección armada
contrarrevolucionaria al estilo del golpe de Estado que los escuálidos
organizaron en Venezuela en el año 2002.

Solidarios con el proceso de transformación social recién iniciado por
nuestros hermanos bolivianos, además de inaugurar varias Cátedras Che
Guevara, nuestro colectivo participó en las manifestaciones callejeras.
Portando en conjunto la bandera internacionalista de AMAUTA militantes
argentinos y hermanos bolivianos marchamos por La Paz, todos entremezclados
con las nutridas columnas de los mineros (que hacían tronar sus dinamitas),
los campesinos, las comunidades indígenas y compañeros de la Universidad
Nacional de la mina Siglo XX, formada por la Federación de Mineros. Lo
hicimos convencidos que nuestra lucha antimperialista y por el socialismo es
continental y abarca toda la patria grande. Nuestro campo de batalla alcanza
todo el mundo. El deber de todo revolucionario es hacer la revolución. No
hay fronteras en esta lucha a muerte. Cada destacamento constituye apenas
una pequeña parte de un movimiento internacionalista de alcance continental
que recién comienza a gestarse con nuevas generaciones. Las luchas más
radicales todavía no han empezado. Nada de nostalgias paralizantes. Lo mejor
está por delante. Como parte de esas muchas actividades realizamos una
entrevista con el compañero Evo Morales, que a continuación reproducimos [en
la entrevista también estuvieron presentes compañeros de la agencia de
noticias argentina Bolibar].

AMAUTA: Nosotros formamos parte de la Cátedra Che Guevara de Buenos Aires y
hemos venido invitados a Bolivia a inaugurar diversas Cátedras Che Guevara.
Nos gustaría saber cuándo fue la primera vez que usted escuchó hablar del
Che. ¿Cómo lo recuerda?

Evo Morales: La primera vez que escuché hablar del Che Guevara fue en el
Chapare. Si no recuerdo mal fue en el año 1980, cuando yo tenía 18 ó 19
años.

AMAUTA: ¿Quién le habló por primera vez del Che? ¿Compañeros de militancia?
¿La familia?

Evo Morales: Fueron compañeros de militancia. Eran dirigentes sindicales. En
1980, en plena dictadura militar de García Meza. Tuvimos un gran problema. A
un hermano lo quemaron vivo. Fue el equipo de lucha contra el narcotráfico,
narcóticos, la estructura de represión de Luis García Meza Tejada, el
general golpista que ahora está en la cárcel en Chonchocorro. Hasta ese
momento yo tenía la idea de que el presidente, aunque fuera dictador o
demócrata, era presidente para mí. El presidente tenía que ser el padre de
todos los bolivianos. ¿Cómo el funcionario del presidente va a hacer quemar
a su pueblo, a su hijo? ¡Yo no lo podía entender! Yo estaba en la cancha de
fútbol, con un grupo de jóvenes... El dirigente del sindicato llama y
convoca a una reunión de emergencia, dice que hay que salir a una marcha,
que han quemado a un hermano de un sindicato. ¡Yo no lo podía entender!
¿Cómo el presidente podía hacer quemar al pueblo? Los jóvenes que jugábamos
al fútbol decidimos que había que apoyar al sindicato y decidimos ir a la
marcha. Ya en la concentración nos preguntamos qué podíamos hacer. Había
unos calendarios grandes, con la plata de Estados Unidos, de USAID...
entonces en esos cartones, del lado que estaban vacíos escribimos VIVAN LOS
DERECHOS HUMANOS, RESPETO A LOS DERECHOS HUMANOS, empapelamos el carro para
ir a la concentración. Era quizás la mejor delegación que llegaba a esa
concentración por los derechos humanos y en repudio a esa acción de quemar
vivo a un hermano. Y ahí aparece un dirigente hablando del Che, nos dice que
el Che estaba por Chapare... que había un compañerito viejito que todavía
estaba vivo y siempre hablaba del Che. Parece que había un dirigente
sindical, un tal Vargas, que murió por allá y estaba planificando para que
el Che entre a la zona del Chapare. Casi todos estaban muertos los que
hablaban del Che. Entonces era muy interesante todo eso... ahí empecé a
profundizar, a comprar unos libros, pero... ¡esos libros hablaban todo lo
contrario del Che! [risas]. Y entonces luego compré otros libros que
hablaban bien del Che y me encantaron.

AMAUTA: ¿Qué opinión tiene hoy del Che Guevara?

Evo Morales: Yo creo que el Che Guevara fue, es y seguirá siendo el símbolo
de las revoluciones en todo el mundo.

AMAUTA: ¿Y qué opina de su compañero, Fidel Castro, quien se acaba de retirar
del gobierno de Cuba?

Evo Morales: Tanto Fidel como el Che serán dos yuntas, serán los dos grandes
símbolos en todo el mundo...

AMAUTA: Usted conoció a Fidel personalmente...

Evo Morales: Sí, varias veces.

AMAUTA: ¿Qué opinión tiene de él?

Evo Morales: Yo creo que es un maestro, un sabio. Es el mejor "médico" del
mundo. Yo llegué a la conclusión, a partir de la colaboración del pueblo
cubano, de su gobierno y de su comandante con el pueblo boliviano que el
país más humillado, reprimido y bloqueado por el imperio es el más solidario
con los pueblos del mundo.

AMAUTA: En la lucha actual de los pueblos del mundo, incluido el pueblo
boliviano, la lucha contra el imperialismo y la defensa de los recursos
naturales es fundamental. ¿Qué relación tiene el actual gobierno de Bolivia
con las empresas petroleras multinacionales?

Evo Morales: Lo que dijimos durante la campaña electoral: sobre nuestros
recursos naturales queremos socios... ¡no patrones! En el primer año, cuando
nacionalizamos durante el 2006, hubo mucha susceptibilidad. En el 2007
consolidamos los nuevos contratos y ahora pasamos al tema de inversión. Hay
relaciones no siempre tan confiables con algunas empresas.

AMAUTA: ¿Hay alguna perspectiva de nacionalizarlas?

Evo Morales: La nacionalización consiste en que el Estado asuma el control
efectivo de sus recursos de gas e hidrocarburos. Hubo récords de inversión.
En 1998 hubo 600 millones de dólares de inversión, en el marco de la
privatización, mal llamada "capitalización". Ahora, en cambio, entre el
Estado y las empresas tenemos 2.300 millones de dólares de inversión para el
sector hidrocarburífero.

AMAUTA: ¿Hay posibilidad de nacionalizar las empresas privadas en el área de
los hidrocarburos?

Evo Morales: Una cosa es que pase a propiedad de los bolivianos los
hidrocarburos y el gas y otra cosa es la inversión privada, por decir en
ductos. Si hay inversión respectamos esa inversión. Cualquier inversionista
tiene todo el derecho de invertir, recuperar su inversión y tener derecho a
las utilidades. En eso somos respetuosos, pero en el tema gas y en el tema
petróleo, el pueblo boliviano tiene la mayor propiedad. Eso es lo que hemos
nacionalizado. Lo que hemos cambiado es que antes el 18% quedaba para el
pueblo boliviano y el 82% se lo llevaban las grandes empresas. Nosotros
hemos invertido esa relación. Ahora el pueblo boliviano se queda con el 82%
y a las empresas les corresponde el 18%. En cuanto a este tema, en el año
2005 ¿cuánto ingresaba al tesoro del Estado? Pues 300 millones de dólares
por hidrocarburos. El año pasado llegamos a 1.930 millones de dólares. Con
lo que nos debe Brasil, el año pasado hemos recibido 2.300 millones de
dólares por los hidrocarburos. ¡Esa es la nacionalización! De esos recursos
y esa renta nacionalizada hemos destinado una parte importante a un bono
popular, el bono Juancito Pinto, destinado a la niñez. Eso significó una
revolución social.

AMAUTA: ¿Cuáles son los principales problemas que afronta el gobierno?

Evo Morales: Uno de nuestros problema está en la fiscalización. Ahí tengo un
problema. En el marco de la austeridad yo me rebajé mi sueldo de 40.000
bolivianos a 15.000 bolivianos. Hay algunos "expertos" en el tema de
hidrocarburos que no están dispuestos a ganar menos que el presidente. Como
ganan más de 50.000 bolivianos se van a trabajar a las multinacionales. Yo
siento que nuestras universidades públicas no forman patriotas. Forman
profesionales por la plata y no por la patria. Por esa razones tenemos
nuestra debilidad. Estamos debatiendo. Necesitamos definir políticas,
proyectos y programas para la industrialización. El próximo año debe ser el
año de la industrialización. Ya estamos sentando algunas bases en ese
sentido. Estamos buscando socios, como Estado, básicamente entre otras
empresas de Estado.

AMAUTA: ¿Qué sucede con el problema de la tierra, con los procesos de reforma
y revolución agraria?

Evo Morales: Bueno, hay una profunda diferencia entre la reforma agraria y la
revolución agraria. La reforma agraria de 1952 y 1953 (1) se ha producido
bajo un levantamiento permanente indígena, con fusil al hombro, que obligó a
los partidos y gobiernos de turno a realizar una reforma agraria. Pero esa
reforma agraria de 1952 ha dejado minifundios, surcofundios, latifundios
(sobre todo en el oriente boliviano)... Nosotros ahora, dentro de una
revolución agraria nos hemos planteado la redistribución de la tierra. En
dos años hemos llegado a redistribuir más de 10 millones de hectáreas, a
nivel titular. Mientras que los gobiernos anteriores, a lo largo de 10 años
llegaron a sanear 10 millones. Nosotros lo hicimos en dos años. A ellos cada
hectárea saneada les costó diez dólares, a nosotros nos constó un dólar por
hectárea. ¡Una tremenda diferencia! La revolución agraria tiene cuatro
componentes: la redistribución, acabar con el latifundio (improductivo,
especialmente), luego la mecanización (entregamos más de mil tractores), los
créditos y la apuesta por productos ecológicos. También está el tema del
comercio. Frente a los tratados de Libre Comercio (TLC), hemos tratado de
promover un tratado de comercio justo entre los pueblos (TCP), que nos está
costando un poco implementarlo.

AMAUTA: ¿Qué relación guarda ese tipo de tratados con el ALBA?

Evo Morales: Son parte: el ALBA contra el ALCA, y el TCP contra el TLC. El
ALBA y el TCP son dos yuntas que trabajan en la misma dirección.

AMAUTA: Actualmente Bolivia vive la reacción de las regiones conocidas como
la medialuna, aquellas regiones autonómicas y separatistas gobernadas por la
derecha que no aceptan subordinarse al gobierno central. Si estas regiones
se sublevan y deciden declarar su autonomía e independencia, rompiendo la
unidad nacional del estado boliviano, al estilo de Kosovo y bajo influencia
norteamericana, ¿el gobierno central, el gobierno del MAS, tienen fuerza
suficiente como para imponerse a esa desestabilización promovida por la
derecha?

Evo Morales: Hay que recordar que el poder es del pueblo, no del gobierno del
MAS ni de Evo Morales. Hemos llegado al gobierno pero no tenemos el poder
todavía. Estamos en un proceso en el cual hay que pensar como construir el
poder del pueblo, yo creo en las fuerzas sociales.

AMAUTA: ¿Esas fuerzas sociales cómo operarían frente a un posible
levantamiento insurreccional de la derecha?

Evo Morales: Habría que preguntarle a ellas cómo operarían...

AMAUTA: Qué función cumplirían las Fuerzas Armadas en ese conflicto?

Evo Morales: Hasta ahora están muy identificados. Yo me he impresionado, pese
a que todos los altos mandos militares son mis mayores... En la cultura
andina, en la cultura indígena, un menor no puede dirigir a una persona
mayor. Yo doy sugerencias, no tengo ese carácter de dar instrucciones.
Aunque como capitán general de las Fuerzas Armadas de la nación yo podría
dar instrucciones. ¿Por qué tienen respeto? Yo he prestado mi servicio
militar obligatorio. Casi todos los presidentes nunca han ido a los
cuarteles, no han prestado servicio militar. Como presidentes mandaban e
instruían, utilizaban políticamente, no respetaban la institucionalidad. Yo,
Evo, como ex soldado, respeto y me hago respetar. Los militares respetan
entonces la institucionalidad.

AMAUTA: ¿No hay peligro de golpe de Estado?

Evo Morales: Bueno, ¿quién podría garantizar eso? Pero hasta ahora no tengo
nada de qué quejarme de las Fuerzas armadas, ya que respetan la
institucionalidad. Pero lo importante que hay que destacar es que nuestro
gobierno respeta y defiende las autonomías pero se opone al separatismo,
bandera de las derechas oligárquicas y racistas. Esas derechas, sobre todo
de Santa Cruz de la Sierra donde no todo el pueblo sino pequeños grupos, a
mí me dicen "mono", "indio", "macaco"... Cuando las derechas separatistas me
pedían un referendum revocatorio yo les contesté: "¿por qué no nos sometemos
todos a un referéndum revocatorio?" Ellos se asustaron y no quisieron. La
gente de Santa Cruz promovía de manera ilegal un estatuto autonómico.
Después de que perdieron la "mamadera" a nivel nacional, ahora quieren
seguir mamando a nivel departamental para no perder la mamadera por
completo. Eso a nivel económico. A nivel político el problema para ellos es
Evo Morales. No aceptan que un indio gobierne Bolivia. Hay una cuestión de
codicia, de envidia, de poder. Ellos, la derecha, utilizan el problema de la
autonomía y la capitalidad para mantener sus cuotas de poder. Por eso, con
todo el pueblo movilizado, hemos impulsado que el Congreso apruebe una
convocatoria a un referéndum para que todo el pueblo se exprese sobre la
nueva constitución política del Estado boliviano. Esta constitución
garantiza la autonomía pero rechaza el separatismo. El estatuto autonómico
tiene consecuencias como la siguiente: si un argentino llega a Santa Cruz y
quiere adquirir derechos políticos, lo tiene que hacer como cruceño, no como
boliviano. Lo mismo en el tema tierras, que según esos estatutos serían de
propiedad departamental y no de todos los bolivianos y bolivianas. Entonces
la nueva constitución garantiza autonomía e igualdad entre todos los
departamentos pero en el marco de la unidad nacional. Se va a garantizar la
autonomía: autonomía como comunidad, pero sin independencia, separación ni
desmembramiento de Bolivia. El reclamo separatista no le pertenece a todo
Santa Cruz sino a una minoría. Y la dinámica de las mayorías y las minorías
es importada. En las comunidades se funciona de otra manera, allí es por
consenso, no por mayoría y minoría.

AMAUTA: Estados Unidos está jugando un papel muy activo en esta demanda de
autonomía separatista. ¿Cómo visualiza usted ese rol del imperialismo
norteamericano en Bolivia?

Evo Morales: La responsabilidad de los diplomáticos es hacer diplomacia,
comercio, etc, no hacer política. Pero el embajador de Estados Unidos en
Bolivia hace política. Incluso el embajador de EEUU está en Santa Cruz, no
en La Paz. Sus operaciones son muy sospechosas pero poco a poco le vamos
cortando las alas. Hemos tenido muchos problemas con la embajada de EEUU y
con USAID. Esta institución norteamericana convoca a las ONGs y les ofrece
plata con la condición de que hagan oposición a Evo Morales. A algunos
dirigentes campesinos les daban 2.500 ó 3.000 dólares al mes... y cuando
nosotros hablábamos con estos compañeros nos decían "hay que aprovechar la
plata de los gringos". A Algunas organizaciones les han dado hasta 20.000
dólares con la condición de que no aprueben a Evo Morales. Las ONGs se meten
para manejar ese dinero. También hay muchos otros problemas como el
espionaje. La CIA también está metida. Pero en resumen el embajador de EEUU
con todos sus equipos, encabezan la conspiración contra el gobierno de Evo
Morales. Nosotros tenemos el derecho de garantizar el respeto mutuo entre
ambos países.

AMAUTA: Los norteamericanos tienen bases militares en Bolivia, ¿no es cierto?

Evo Morales: En algunos aeropuertos de Bolivia ellos tienen hangares
cerrados...

AMAUTA: ¿hay posibilidades de que se vayan?

Evo Morales: Estamos viendo, es todo un proceso, pero ya no es como antes.
Antes la DEA operaba, controlaba en los retenes, comandaba en las Fuerzas
Armadas y en la policía pero eso se terminó. Si están por allí en algunos
aeropuertos se ocultan, filman o toman fotografías... creen que no me doy
cuenta, pero ¡me doy cuenta! Algunas veces les hemos dicho al oficial
boliviano que dejen de sacar fotografías. Ellos se escapan, se ocultan.
Vamos a seguir revisando convenios. Pero es un proceso. No podemos creer que
todos los funcionarios en el Estado boliviano son hoy revolucionarios.
Tenemos que hacerlo con tiempo. Lo importante es que nosotros tenemos pleno
derecho de hacernos respetar frente a la injerencia de Estados Unidos.

NOTAS

(1) Sobre los procesos sociales y políticos que Bolivia experimentó a partir
de 1952, recomendamos consultar el libro La revolución boliviana de 1952 de
Noel Pérez (compañero integrante del Colectivo AMAUTA). La Habana, Ocean Sur
[Colección «Historias desde abajo»], de próxima aparición.

LA ULTIMA ENTREVISTA DE UM GUERRILHEIRO!!!

A última entrevista do Comandante Raúl Reyes
por Aníbal Garzón & Ingrid Storgen [*]

O Comandante Raúl Reyes tombou no dia 1 de Março de 2008, juntamente com 17 guerrilheiros das FARC-EP. Caíram vítimas do bombardeamento da Força Aérea Colombiana que destruiu o seu acampamento, ao Sul do Rio Putumayo. Esta acção confirma a criminalidade do governo fascista de Uribe, que tudo faz para sabotar saídas pacíficas para a situação colombiana. Ao recusar todas as gestões para a troca de prisioneiros de guerra e apostar tudo na solução militar o governo uribista põe em risco a vida dos prisioneiros e agrava a situação. O humanismo das FARC demonstrou-se no facto de – para libertarem prisioneiros e cumprirem a promessa feita ao Presidente Chávez – se terem arriscado a que os seus acampamentos fossem localizados através da espionagem electrónica das suas comunicações e dos satélites-sensores do imperialismo. Este risco foi excessivo, como agora se viu.
A entrevista que se segue foi a última concedida pelo Cmte. Raúl Reyes, na ante-véspera da sua queda em combate. Resistir.info presta homenagem a esta grande figura histórica de dimensão internacional.
Aníbal Garzón e Ingrid Storgen: Quando se pôs em andamento a famosa "Operação Emmanuel" acabou por ser preciso atrasá-la devido a operações militares estatais realizada próximo do lugar onde iam ser feitas as libertações. Que objectivo acreditam as FARC que poderia existir por trás da táctica militarista de Uribe ao realizar tais actividades em pleno lugar da operação (no Departamento de Meta) ponde em perigo a vida dos reféns?

Raúl Reyes: Por trás da táctica militarista de Uribe de impedir a libertação destes prisioneiros, sãos e salvos, está a absoluta recusa deste governo à troca e às saídas concertadas. Em nada lhe importa por em grave risco a vida dos prisioneiros. Finalmente, são mais de cinco anos sem que este governo se tenha interessado em facilitar a libertação desta gente. A assinatura do acordo humanitário requer a evacuação (despeje) dos municípios de Pradera e Florida, garantia negada pelo presidente Uribe e sem a qual as FARC não aceitam entrevistas com funcionários do governo actual em nenhum lugar.

A.G e I.S: Que mudança produziria nas FARC, e no contexto colombiano em geral, se se cumprisse a proposta de Chávez de conceder o status de actor beligente num conflito armado nacional e de repercussão internacional.

R.R: O reconhecimento de beligerância proposto pelo Presidente Hugo Chávez exprime o conhecimento cabal do conflito interno colombiano. Cuja solução definitória requer saídas políticas e reconhecer a existência de dois exército enfrentados por interesses políticos, sociais e económicos muito diferentes. O exército oficial, apoiado no paramilitarismo de Estado, e do outro lado o exército formado pelas guerrilhas revolucionárias das FARC e do ELN. A troca, ou intercâmbio de prisioneiros, será feita entre o governo e as FARC. Um dos entraves interpostos pelo governo colombiano para firmar acordos com a insurgência revolucionária é negar a sua existência histórica na vida política da Colômbia. Obstina-se em fechar os olhos perante uma realidade que o presidente Chávez, sim, observa com critério bolivariano e com o seu empenho generoso de trazer a paz aos colombianos. Em lugar algum do mundo é possível conseguir a reconciliação e a paz entre os contendores sem reconhecer a existência do adversário político.

A.G e I.S: Que opinião tem quanto ao movimento havido, a nível nacional e com internacionais, no passado 4 de Fevereiro de recusa às FARC. Que comparação se pode fazer a resposta a esse movimento anunciada para 6 de Março (Movimento Vítimas de Crimes de Estado)?

R.R.: A marcha de 4 de Fevereiro último foi organizada, promovida e financiada pelo governo de Álvaro Uribe. Ela contou com a contribuição dos meios de comunicação, os paramilitares conclamaram a dela participar. Os funcionários e empregados oficiais estatais foram forçados a vincular-se à mesma. As embaixadas e os consulados receberam instruções do Ministério dos Negócios Estrangeiros para participar na marcha e solicitar aos seus amigos apoios em cada país. É a marcha do governo da para-política contra a troca ou intercâmbio de prisioneiros e contra a busca da paz. Com o propósito de gerar ambiente nacional e internacional para promover a segunda reeleição de Álvaro Uribe.

A.G e I.S.: Foi divulgado que as FARC vão elaborar uma nova libertação de três ou quatro presos políticos[1]. Que objectivo se procura com isso, tanto a nível nacional como internacional? Acredita-se que haverá alguma resposta de Uribe?

R.R.: A libertação dos ex-congressistas Luis Eladio Pérez, Gloria Polanco, Orlando Beltrán e Jorge Eduardo Gechen Turbay e anteriormente de Consuelo González e de Clara Rojas é o resultado da persistência humanitária e da sincera preocupação pela paz na Colômbia do Presidente Hugo Chávez e da Senadora Piedade Córdoba. Também é a mais contundente manifestação da vontade troca das FARC, a qual exige a evacuação militar de Pradera e Florida por 45 dias, com presença guerrilheira e comunidade internacional como garantes, para pactuar com o governo nesse espaço a libertação dos guerrilheiros e dos prisioneiros de guerra em poder das FARC.

Internacionalismo

A.G e I.S: Quanto a uma visão mais internacionalista, a queda da URSS afectou negativamente o comunismo internacional. Acreditam as FARC que a retirada de Fidel como presidente do governo cubano afectará o socialismo cubano e em consequência o auge dos movimentos sociais latino-americanos e os governos de esquerda?

R.R.: A inesperada queda da URSS afectou negativamente boa parte dos Partidos Comunistas e sobretudo a construção socialista nos países da Europa teve um sério e longo retrocesso. O derrube do socialismo russo mostrou, sem lugar a equívocos, grandes falências ideológicas, políticas e estruturais desse modelo. Ao mesmo tempo que debilitou os partidos, também produziu no seu interior a depuração dos elementos farsantes e traidores que regressaram ao sistema capitalista sem vergonha alguma. Os Partidos e os seus militares de convicções sólidas mantiveram-se fieis ao acervo dos clássicos do Marxismo-Leninismo. Sem se deixarem confundir pela tormenta do capitalismo, que proclamava o fim socialismo, manteve-se Cuba, conduzida pelo seu Partido e o Comandante em Chefe dessa revolução triunfante. As FARC, representadas pelo Comandante Jacobo Arenas (falecido em Outubro de 1990) exprimiram com contundência a traição cozinhada na Rússia por Gorbachov após a enteléquia da perestroika e da glasnot. Dissemos naquela época, com a queda do muro de Berlim e do Socialismo, nem a fome, nem a pobreza, nem a miséria desapareceram entre os pobres, por isso a luta pela libertação dos povos e a construção socialista conserva plena vigência...

Hoje, tal como nesses temos, confirmamos mais uma vez que a opção da humanidade é o socialismo.

O Comandante Fidel Castro continua a iluminar, com luz própria e experimentada, a edificação do socialismo. O partido, seu povo e o novo chefe de Estado e de Governo de Cuba, avançam sem cessar pelo caminho traçado por Fidel e seus heróicos camaradas de luta.

História e conflito com o ELN

A.G e I.S: Há vários anos iniciaram-se diversos enfrentamentos entre o ELN e as FARC, em departamentos como Arauca, Nariño, Valle del Cauca e Cauca. Como sucedeu isso? Que repercussão teve quanto ao conflito contra o Estado uribista? E que solução vê as FARC?

R.R.: Na realidade, nada justifica os enfrentamentos armados entre o ELN e as FARC, por se tratarem de duas organizações revolucionárias comprometidas com a criação das premissas da luta pela conquista do poder político a fim de dar início à construção da sociedade livre de exploradores e sem explorados. Explicar os factores históricos de confrontação entre as duas forças é sumamente complicado neste espaço e de modo algum considero prudente atribuir toda a responsabilidade a uma das partes. No meu entender existe alguma culpa de parte a parte. O mais importante por agora é parar a confrontação entre revolucionários, assumindo em ambos os lados o compromisso de localizar os elementos infiltrados que alimentam o cizânia, a desqualificação, a falta de respeito a combatentes e massas, além de propalar rumores para aumentar hostilidades ou criá-las onde não existem. Estamos em vias de efectuar uma entrevista entre as duas chefias, para por fim a esta situação e fortalecer a unidade de acção, tendo em vista consolidar a luta contra o imperialismo e a oligarquia, pela nova Colômbia, a Pátria Grande e o Socialismo.

A.G e I.S: Em Setembro de 1987 criou-se a Coordenadora Guerrilheira Simón Bolívar, uma coligação entre diferentes grupos insurgentes (ELN, FARC, M-19, EPL, Frente Quintín Lame, MIR, PRT). Na actualidade, as FARC acreditam que seria positivo e possível realizar a re-criação da Coordenadora para unir o projecto revolucionário contra o governo de Uribe?

R.R.: A unidade da esquerda revolucionária, onde estão as guerrihas do EPL, ELN e das FARC, é uma necessidade de ordem estratégica. O nome de Coodenadora Guerrilheira Simón Bolívar insere-se exactamente dentro da nossa covicção bolivariana. Entretanto, o mais importante é superar a forma fatal de solucionar as diferenças.

A.G e I.S: As FARC fundaram-se como auto-defesas camponesas, mais tarde o seu objectivo foi a conquista do poder estatal para fazer a revolução socialista. Actualmente a táctica-estratégia parlamentar foi a mais utilizada na esquerda latino-americana desde a vitória de Hugo Chávez em 1999. Diante disto, as FARC continuam a defender a possibilidade de chegar ao poder mediante a luta armada-ataque ou só utilizam esta táctica como defesa da repressão, com possibilidade de futuras reformas de esquerda com um governo mais social-democrata?

R.R.: As FARC são uma organização político-militar que aplica a combinação de todas as formas de luta revolucionária para a conquista do poder. Coerente com esta definição de princípio, não subestimam a via eleitoral mediante uma grande coligação de forças anti-imperialistas bolivarianas, progressistas, revolucionárias, que mediante um programa de governo garanta a superação da crise, comprometa-se com a troca de prisioneiros e as saídas políticas para o conflito interno dos colombianos. Esta ideia está explícita na nossa Plataforma Bolivariana e no Manifesto firmado pelo nosso Secretariado, para um novo governo que garanta a paz com democracia e justiça social.

A.G e I.S: Nos anos 80, após as negociações de paz com Belisario Betancourt, fundou-se a União Patriótica como referente político da esquerda e a possibilidade de uma futura negociação de paz. Com a alta repressão e os milhares de assassinatos sofridos nas fileiras da UP, será que as FARC repensam a possibilidade de voltar a realizar a mesma estratégia como processo de paz?

R.R.: O genocídio a cargo do terrorismo de Estado contra a União Patriótica e parte considerável do Partido Comunista Colombiano demonstrou perante o mundo a intolerância e a criminalidade da classe governante do meu país, que além disso empurra os revolucionários a engrossarem as fileiras guerrilheiras para salvarem as suas vidas e manterem a luta política com as armas na mão. A UP foi liquidada a tiros pelos inimigos das saídas políticas. Facto que obriga a privilegiar o trabalho clandestino, como o Partido Comunista Clandestino e o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, cuja militância para subsistir e crescer mantém-se na clandestinidade.

Regionalismo revolucionário latino-americano

A.G e I.S: Como vêm a situação da América Latina, a partir da onda de governos progressistas na região, juntamente com outros directamente revolucionários?

R.R.: Observa-se na América Latina uma viragem positivo para a esquerda revolucionária com a liderança de governos anti-imperialistas, progressistas, independentes, bolivarianos, a caminho do socialismo, com o compromisso de cumprir o mandato do Libertador de proporcionar a maior soma de felicidade possível aos seus povos. A Colômbia não será a excepção. Como bolivarianos, em meio à confrontação com governo da ultra-direita fascista e paramilitar, vamos pelo mesmo caminho sem que ninguém nem nada o impeça.

A.G e I.S: Qual é o papel que deve cumprir a solidariedade internacionalista como muro de contenção frente à terrível problemática que vivem os povos da América Latina, os colapsos financeiros e as guerras, em momentos nos quais o império agrava os planos de desestabilização e a conhecida estratégia da CIDA e do Estado de Israel como factores de extrema periculosidade?

R.R.: O caminho está no fortalecimento da unidade anti-imperialista, progressista e da esquerda revolucionária com a finalidade de unir esforços, aprender com as experiências de cada lugar, para cerrar fileiras contra os sinistros planos dos impérios e das oligarquias crioulas, empenhadas em perpetuar-se no poder à custa da destruição das organizações e projectos políticos contrários às suas políticas de exploração, espoliação, enriquecimento ilícito, narcotráfico, corrupção, opressão, pobreza e miséria, vertidas sobre os povos do continente. Impõe-se incrementar o internacionalismo, como expressão de solidariedade de classe.

Muito obrigado,
Raúl Reyes

Montanhas da Col

lunes, 3 de marzo de 2008

'O império contra ataca mais uma vez!!!"

O Império mostra as suas garras
Em uma ação sem precedentes, nesse sábado, o Império estadunidense mexeu mais uma vez os seus peões no tabuleiro da vida.
O exército colombiano, chefiado pelo presidente Álvaro Uribe - o qual tem histórico de aproximação com narcotraficantes, inclusive Pablo Escobar -, invadiu território equatoriano para assassinar um dos representantes das FARCs, conhecido braço paramilitar de uma insurgência de esquerda no continente.
O alvo foi o porta-voz da guerrilha, Raúl Reyes, responsável, digamos assim, pelo contato diplomático dos insurgentes.
Equador e Venezuela já romperam suas relações com o território estadunidense de nome "Colômbia", colocando, inclusive, tropas nas fronteiras com o posto avançado do Império.
As primeiras tentativas de manipulação das informações sobre o ocorrido davam conta de que Reyes e mais 20 membros das FARCs teriam morrido em confronto, mas, à medida que os equatorianos foram novamente assumindo o controle de seu próprio território, outros pontos-de-vista vieram à tona.
Já se sabe que o acampamento foi bombardeado e que o número 2 da guerrilha morreu dormindo.
Alguns sobreviventes foram executados, como foi o caso de um corpo encontrado ao largo do local, crivado de balas nas costas.
Esta é mais uma ação de um Império que não tem medo de extrapolar autonomias territoriais e soberanias de Estados constituídos.
Se precisar invadir, invadem. Bombardear, bombardeiam.
A "limpeza" é feita na seqüência, pela própria mídia.
Como será que se desenrolará isso tudo, agora que há Estados fortes e bem instituídos como Venezuela e Equador envolvidos?
Que se aguardem os próximos capítulos...

extraido de: almadageral.blogspot.com

sábado, 1 de marzo de 2008

"PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA"

TEATRO NA DITADURA

O Teatro na época da ditadura
Carlos Aparecido dos Santos (*)

Independente de toda a sua pujança e liberdade, o teatro como todas as outras expressões artísticas sofreu um revés que tolheu toda a sua capacidade criadora e motivadora: a censura. Nesta pesquisa abordaremos os efeitos que a ditadura exerceu sobre o teatro no período de 1964-1968.

O Brasil no contexto político - 1964 -1968

Segundo Castro (2004), nos bastidores do governo, tramava-se o pior golpe político que o país sofreria desde o início de sua história: o movimento político-militar deflagrado em 31 de março de 1964 com o objetivo de depor o governo do presidente João Goulart. Sua vitória acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. Todos os cinco presidentes militares que se sucederam desde então, declararam-se herdeiros e continuadores da Revolução de 1964.
A crise político-institucional da qual nasce o regime militar começa com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961. Agrava-se durante a administração João Goulart (1961-1964), com a radicalização populista do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e de várias organizações de esquerda e com a reação da direita conservadora. Goulart tenta mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base, que alterariam as relações econômicas e sociais no país.
Esses fatos, segundo Castro (2004) leva o empresariado, parte da Igreja Católica, a oficialidade militar e os partidos de oposição, liderados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático (PSD), a denunciar a preparação de um golpe comunista, com a participação do presidente. Além disso, responsabilizam-no pela carestia e pelo desabastecimento.
No dia 13 de março de 1964, o governo promove grande comício em frente da estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em favor das reformas de base. Os conservadores reagem com uma manifestação em São Paulo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 19 de março. A tensão cresce. No dia 31 de março, tropas saídas de Minas Gerais e São Paulo avançam sobre o Rio, onde o governo federal conta com o apoio de setores importantes da oficialidade e das Forças Armadas. Para evitar a guerra civil, Goulart abandona o país e refugia-se no Uruguai.
No dia 1º de abril, o Congresso Nacional declara a vacância da Presidência. Os comandantes militares assumem o poder. Em 9 de abril é decretado o Ato Institucional Nº 1 (AI-1), que cassa mandatos e suspende a imunidade parlamentar, a vitaliciedade dos magistrados, a estabilidade dos funcionários públicos e outros direitos constitucionais. Segundo Castro (2004), a falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi notável, não se conseguiu articular os militares legalistas. A crise econômica se aprofunda e mergulha o Brasil na inflação e na recessão. Crescem os partidos de oposição, fortalecem-se os sindicatos e as entidades de classe.
De todos os setores, a imprensa foi a que sofreu a mais profunda censura. A TV, o rádio, e todos os meios de comunicação eram vigiados de perto pelos militares, muitos eram perseguidos e expulsos do país, até mesmo mortos, por irem contra tais medidas.
Foi nesse período, que o teatro sofreu a maior perseguição de sua história.

O Teatro sob pressão
O teatro conheceu um esplendor que não resistiria à asfixia causada pela censura e pela repressão. Resultava do trabalho realizado, em especial, por dois grupos, o Oficina, em torno de seu diretor José Celso Martinez Corrêa (no exílio de 1974 a 78), e o Arena, em torno de Augusto Boal (no exílio a partir de 1969), que se dedicaram a criar uma dramaturgia brasileira e uma nova formação do ator. Escreveram e encenaram com muito sucesso, durante vários anos, originando vocações, peças, espetáculos e revelações de ator. Extremamente engajados, e invocando Brecht como nome tutelar, vincariam a história do teatro no país. Ambos os grupos seriam dizimados pelo AI - 5, Ato Institucional, que deflagrou o terror de Estado e exterminou aquilo que fora o mais importante ensaio de socialização da cultura jamais havido no país (Vasconcellos, 1987).





O teatro mais artístico refugiou-se em pequenas companhias. Com orçamentos reduzidos e sem muito apelo ao público, ocupavam espaços alternativos, não mais experimentais e, por vez, tentavam, suscitar uma dramaturgia nova. Dentre elas, é necessário mencionar o Grupo Tapa, que encenou repertório clássico internacional e ocupou o posto de mais premiada companhia do país, Antunes Filho que congregou uma trupe experimental, com oficina de formação de atores, destacando-se pelas notáveis encenações de Nelson Rodrigues, objeto de uma verdadeira descoberta. Gerald Thomas que comandou a Ópera Seca, mais vanguardista, com montagens espetaculares e inovadoras.
O teatro de Cacá Rosset, de pendores circenses, que teve entre seus acertos a "Ubu Rei", de Alfred Jarry, cujo perfil estilístico parece ter marcado as montagens restantes. Os trabalhos de Gabriel Villela que chamavam a atenção de crítica e público, enquanto resistiam heroicamente o Folias D´Arte, a Companhia do Latão, a Companhia São Jorge, Os Parlapatões, entre outros que merecem nosso respeito.
Em artigo de Brecht (1966), ele denuncia a arte de tornar a verdade manejável como arma e mostra como reconhecer aqueles em cujas mãos a verdade se torna eficiente, dentro deste contexto retornam os esporos redivivos, e aparecem os "intelectuais institucionais".



Houve experiências idealistas e bem intencionadas, como o CPC do movimento estudantil. A UNE, através do CPC (Centro Popular de Cultura), que procurava levar a arte ao povo, sem temor da mão-de-ferro e a vontade do governo militar de dificultar esse contato "inapropriado" a seus objetivos. Além do mais, Brecht transformara o teatro em arma política no século XX, sabendo se apoderar da sua grande força de comunicação e a capacidade de mobilizar as pessoas. Atores e diretores não podiam dar as costas a essa influência arrebatadora, principalmente na década de sessenta, quando o mundo assistia a uma reviravolta dos costumes e, no Brasil, cresciam os infames mecanismos de repressão e censura. Para bloquear o avanço desse teatro, estagnar o elo estreito entre o palco e a política, os militares estendem um "cordon sanitaire" entre o público e os artistas. A censura e a perseguição acirram-se. Quem não se lembra do ator Klaus Maria Brandauer no papel do ator devorado pela ambição em Mephisto? Cai sobre todos que vivem a arte, o dilema cruel que consumiu o protagonista, do diretor húngaro István Szabó (Magaldi, 1989).
Na verdade, Gassner (1974), afirma que a tomada do poder pelos militares havia causado aos artistas de teatro, nesses meses iniciais, mais susto do que problema. As nuvens negras que se avolumavam no horizonte pareciam até certo ponto aliviadas, no que dizia respeito ao teatro, pelo notório interesse que o presidente Castelo Branco dedicava ao assunto, conhecido por ser freqüentador assíduo das salas de espetáculos, característica rara nos governantes brasileiros.
Como presidente, ele iniciou seu relacionamento com a classe teatral nomeando, menos de dois meses depois de empossado, uma estudiosa de grande prestígio, Bárbara Heliodóra, para a direção do Serviço Nacional de Teatro. A campanha nacional de teatro do mesmo órgão passou a contar com a colaboração de um conselho consultivo de alto gabarito: Carlos Drummond de Andrade, Décio de Almeida Prado, Adonias Filho, Gustavo Doria e Agostinho Olavo.
Quando uma dessas periódicas vazantes de bilheteria colocava a classe em pânico, o presidente recebia no palácio, às seis horas da manhã, uma delegação da categoria, que lhe pedia uma ajuda de emergência, concedida no ato, mediante autorização de uma verba extraordinária a cada um dos 19 espetáculos profissionais em cartaz no Rio, auxílio estendido também para São Paulo (Castro, 2004).
Quem iria desconfiar de que um governo chefiado por um presidente aparentemente tão bem intencionado em relação ao teatro iria transformar-se num inimigo dessa atividade?



Mas nesse período, quase ninguém ousa lançar alguma proposta mais ousada, que represente algum tipo de risco, do que as produções meramente comerciais que predominam, às vezes, com bons resultados artesanais, como no caso de "Descalços no Parque", comédia de Neil Simon. A partir da metade do ano de 1964, o teatro dá um grande salto qualitativo, iniciando um semestre excepcional.
Para Vasconcellos (1987), em São Paulo, o TBC ousa, em julho de 1964, a sua última grande cartada: "Vereda da Salvação", de Jorge Andrade, considerado por muitos um dos mais perfeitos e impressionantes textos de toda dramaturgia contemporânea. Antunes Filho realizou um espetáculo sob alguns aspectos excessivo, mas generoso e vigoroso, que suscitou fortes polêmicas. Lamentavelmente, o público não se deixou envolver por essa delirante e trágica história - baseada num episódio verídico ocorrido em Minas Gerais - e um grupo de colonos, esfomeados, desesperados e ignorantes, buscam refúgio num misticismo primário, que os leva ao fanatismo e à morte. Um fracasso de bilheteria, a produção foi o golpe de misericórdia que formalizou o fim das atividades do TBC como companhia produtora, depois de uma longa série de crises.
Em São Paulo, o Oficina, depois de encerrar a triunfal carreira de "Pequenos Burgueses", monta Andorra de Max Frisch. Não foi nenhum ponto alto do grupo, mas foi uma iniciativa importante na trajetória do conjunto, o Oficina começa a deixar patente o seu frontal inconformismo com o clima político que acaba de instalar-se no país.
No Rio de Janeiro, o segundo semestre de 1964 torna-se bem gratificante, diferente do primeiro semestre que foi medíocre, no fim o ano de 1964 trouxeram um respeitável recorde; nove lançamentos em dez dias. A imprensa especializada ressaltava o elevado número de espetáculos recomendáveis em cartaz, entre esses espetáculos estavam: Diário de um Louco, de Gogol, cujo sucesso, devido sobretudo a uma interpretação inesquecível de Rubens Corrêa, tira o teatro do Rio (futuro teatro Ipanema) de um "buraco financeiro".
Apesar de um panorama de aparente normalidade, já apareciam no horizonte alguns discretos prenúncios do que haveria por vir nos anos subseqüentes, em decorrência da nova situação política. Em maio de 1965, menos de dois meses depois do golpe, por ocasião da estréia de Antígona, a imprensa discutia se a tragédia simbolizava a luta contra as ditaduras e o direito de dizer "não". Em junho do mesmo ano, o teatro do Rio, que havia mudado o título de uma comédia de João Bethencourt de "A ilha de Circe", para, A "Intervenção Federal", por motivos óbvios achou prudente (ou foi obrigado a) rebatizar a peça para Mr. Sexo.
Aparecem os primeiros oportunismos: estréia uma comédia de Raul da Mata, ambiguamente intitulada "Caiu 1º. de Abril", com o substituto de uma comédia revolucionária. Em Leopoldina, Minas Gerais, uma montagem local de "A Invasão", de Dias Gomes, é impedida de estrear por um veto de personalidades notáveis da cidade, que consideravam a peça "pornográfica". E o Rio passa pela vergonha de ser provavelmente a única cidade do mundo a efetuar cortes numa peça de Shakespeare, no ano do quarto centenário do poeta. O responsável pelo vexame é o Serviço de Censura do Governo Carlos Lacerda, que eliminou a algumas falas da comédia, quando da temporada carioca da sua produção curitibana.
Em outubro de 1965, por imposição do regime, passaram a existir apenas dois partidos reconhecidos institucionalmente: a situacionista Aliança Renovadora Nacional (Arena) e a oposição "construtiva" e moderada do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que viria a ser calada com cassações de políticos e outros mecanismos, sempre que se excedesse aos olhos dos governantes (Gassner, 1974).
Em dezembro do mesmo ano, nascia a primeira semente daquilo que viria a ser uma das mais fortes trincheiras teatrais contra o regime militar: o show "Opinião", dirigido por Augusto Boal e interpretado por Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia). Por um tempo, O show foi apresentado em nome do teatro de Arena de São Paulo e, por ocasião da estréia, Boal declarou que o novo núcleo carioca do Arena, reunindo, entre outros, Milton Gonçalves, Nelson Xavier, Vianinha, Chico de Assis, Flavio Migliaccio, Vera Gertel e Isabel Ribeiro, desenvolveria no Rio um trabalho permanente, independente da matriz paulista, mas entrosado com ela; um projeto que nunca chegaria a ganhar corpo, diante da criação autônoma do Grupo Opinião.



De um modo geral, aqueles momentos de perplexidade que bruscamente se abatem sobre o teatro, permitiu que as máscaras e as ilusões caíssem o longo de 1965.
Em março deste ano aconteceu no Rio, a primeira proibição total de um texto, "O Vigário", de Rolf Hochhuth. Em maio, a atriz Isolda Cresta é detida, antes de uma sessão de Electra, por ter lido na véspera um manifesto contra a intervenção na República Dominicana. Em julho, o conflito se exacerba, com a primeira proibição de um espetáculo prestes a estrear, "O Berço do Herói", de Dias Gomes. O governador assume pessoalmente a iniciativa da proibição, que é formalizada pelo seu secretário de segurança, coronel Gustavo Borges, que acusa os responsáveis pela montagem de estarem "engajados na implantação de uma ditadura cultural, através do abuso de liberdades democráticas e em estreita obediência à recente diretriz do PCB" - uma linguagem que se tornaria rotineira de então em diante (Vasconcellos, 1987).



Ao longo do ano, vários textos são proibidos, e outros como "Os inimigos e Morte e Vida Severina" sofrem interdições posteriormente levantadas; outros ainda só conseguem estrear mutilados, como "Liberdade, Liberdade", que na sua temporada em São Paulo recebeu 25 cortes. A classe teatral mobilizava-se contra o arbítrio: em agosto, uma carta aberta com 1.500 assinaturas é entregue a Castelo Branco, protestando contra os abusos da censura; e, em outubro, um telegrama enviado à Comissão de Direitos Humanos da ONU denuncia os atentados contra a liberdade de expressão no Brasil. O tempo encarregou-se logo de demonstrar a inocuidade de tais reclamações.
Por um lado, os responsáveis pela revolução da linguagem cênica que tomaria corpo a partir de 1966, sentem-se inconformados e impotentes diante do sistema repressivo que controla cada vez mais radicalmente a vida do país, riscando do mapa qualquer noção de consulta popular, instalando de cada vez mais um rígido sistema de censura, impondo como obrigatória uma escala de valores morais alheios aos anseios espontâneos da juventude. Uma válvula de escape para esse inconformismo, no campo teatral, consistiu em contestar os códigos expressivos tradicionalmente aceitos como corretos e bem comportados, substituindo-os por alternativas nas quais os fatores de novidade e de provocação atuassem como molas propulsoras (Veríssimo, 1976).
Começam a penetrar nos ouvidos da juventude teatral os primeiros ecos de uma grande revolução cultural que se desenhava. Esse movimento, parte de uma sensação de insatisfação, no caso, não com esquemas militares, mas com valores culturais e éticos legados pelas gerações anteriores, que são repudiados como caducos e necessitados de urgente substituição por comportamentos radicalmente diferentes.
Para Courtney (1980:106):
Para dar a essas experiências uma legitimação, os escritos do diretor e ensaísta francês Antonin Artaud, que na época da sua publicação - os anos 1930 e 1940 - não foram levados a sérios, são reabilitados e consagrados como uma bíblia do novo teatro, e passa a ser o arsenal estético dos jovens experimentadores.
Mesmo com esses pensamentos e atitudes vindas de fora, por intelectuais e escritores, a censura continuava frenética. Alguns dos seus desatinos: invasão do teatro jovem, no Rio, para impedir a realização de um debate sobre Brecht, que seria autorizado alguns dias depois; cortes em "Terror e Miséria do III Reich"; detenção e Maceió, de um elenco carioca que apresentava "Joana em Flor", de Reinaldo Jardim, seguida de queima de exemplares do livro em praça pública; eliminação do texto de "O Homem do Princípio ao Fim", após vários meses em cartaz.
Michalski (1985), comenta que o anarquismo e as pressões a que a nação se achava submetida, produziria em 1967 o seu primeiro marco decisivo. Tão decisivo que se constituiria na consagração de uma verdadeira proposta estética e cultural, que abriria uma nova etapa do teatro brasileiro e serviria de inspiração a inúmeros desdobramentos e imitações.
Vestido de noiva, um texto anárquico que Oswald de Andrade escreveu entre 1933 e 1937, e no qual submeteu os corrompidos esquemas de funcionamento do capitalismo brasileiro a uma análise crítica de uma virulência sem precedente. Em compensação, esse espírito parecia feito sob medida para veicular a rebeldia dos jovens de 1967. Tanto, que antes da estréia de "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, o Oficina resolveu considerar o texto como seu "espetáculo-manifesto".
O espetáculo explodiu como uma bomba, arrancando aplausos da maioria da crítica, deixando perplexo e abalado o tradicionalmente burguês paulistano, e despertando, pelo seu tom provocativo, desconfiança das autoridades.
Peixoto relata o seguinte (1980:94):
A temporada em São Paulo seria tumultuada. Críticos espantados, público entre o fascínio e o ódio. Em algumas sessões havia gente que se levantava e agredia os atores (verbalmente). Ameaças quase diárias. Publico sendo revistado na entrada, um precário sistema de segurança armado nos bastidores. Ameaças de depredação do teatro; tínhamos um plano para escapar pelos fundos, se a resistência fosse inútil. Esta tensão engravidava o espetáculo. A censura agüentou em inesperado e surpreendente silêncio. Às vezes telefonavam dizendo que as denúncias, inclusive de militares, aumentavam. E que a pressão de Brasília crescia. Mas nos recomendavam certa moderação, para que tudo continuasse na santa paz.
Mas outras peças também foram perseguidas pela censura, e sofreram cortes em seus textos, como por exemplo: "Dois Perdidos", "Navalha na Carne" e "Volta ao Lar". Outras, como "O homem e o Cavalo", de Oswald de Andrade, e "Os Sinceros", de César Vieira, são sumariamente proibidas.



Toda a censura de textos que até então era realizado de modo descentralizado nos Estados, passou a ser concentrada por completo em Brasília, obrigando os autores e produtores a deslocarem suas tentativas freqüentes de resolver tais assuntos com as autoridades censoras.
Gaspari (2002:131) afirma que:
Talvez o ano mais trágico de toda história do teatro brasileiro foi 1968. A censura assume um papel de protagonista na cena nacional, declara guerra contra a criação teatral, torna-se incomodamente presente no cotidiano dos artistas. Em janeiro o general Juvêncio Façanha que no ano anterior mandou o ameaçador recado para os artistas "Ou vocês mudam, ou acabam", da uma estarrecedora declaração, que define com clareza a atitude do regime com à atividade cênica: "A classe teatral só tem intelectuais, pés sujos, desvairados e vagabundos, que entendem de tudo, menos de teatro".
Em fevereiro, um fato que deixou a classe teatral indignada, foi a retirada da peça, "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennesse Williams, e ainda por cima de impor à atriz Maria Fernanda, e ao produtor, Oscar Araripe uma suspensão de 30 dias. Os teatros do Rio e de São Paulo declaravam-se em greve, em protesto liderados por personalidades como: Cacilda Becker, Glauce Rocha, Tônia Carrero, Ruth Escobar e Walmor Chagas. São realizadas por esses grupos, diversas vigílias cívicas nas escadarias dos teatros das duas cidades, e ocorrem vários conflitos com a polícia.
Em função do prestígio dos manifestantes e do ineditismo da greve, o protesto toma uma repercussão que assusta as autoridades. Em defesa de sua imagem, o governo institui um grupo de trabalho, integrado por representantes das entidades de classe e por técnicos do ministério, e elaboram um projeto de uma nova lei sobre censura. Ao instalar a comissão, o ministro Gama e Silva procura tranqüilizar os artistas com a seguinte frase: "O teatro é livre; a censura não os incomodará mais".
Continuando no mesmo raciocínio de Gaspari (2002), todos levam à promessa como uma cínica piada, pois as proibições não só não pararam, como se intensificaram. A tensão chega ao auge em julho, quando o Comando de Caça aos Comunistas invade, em São Paulo, o teatro onde estava em cartaz a peça, "Roda Viva", de Chico Buarque, espancando e maltratando vários membros do elenco e destruindo o cenário e o equipamento técnico. Em setembro, no Rio Grande do Sul, a mesma peça estava em cartaz, e voltaram a ser agredidos, e a censura acabando por proibir o espetáculo.
Teatros como o Gil Vicente (RS) e o Opinião (RJ), sofrem atentados a bomba, o ator Flavio Rangel é parado na rua e tem sua cabeça raspada, a atriz Cacilda Becker é demitida do seu emprego na TV Bandeirantes, por pressão dos órgãos de segurança.
Dentro de toda essa perseguição, o grupo de trabalho criado pelo ministro Gama e Silva, entregou em suas mãos um anteprojeto de censura bem mais liberal o que estava em vigor. Para o teatro, o projeto previa uma censura classificatória por faixas etárias, o ministro porém congelou o projeto durante alguns meses, e o encaminhou ao presidente Costa e Silva, descaracterizado por um artigo que mantinha, em parte, a censura interditória.
Nem por isso o teatro se acomodou. Procurou frestas inventou uma linguagem cifrada ou aproveitou entrelinhas, refugiou-se em locais onde não era possível o exercício da censura prévia, trocou muitas vezes a palavra pelo gesto significativo. Olhando essa década de vigência do Ato, é impressionante constatar o quanto foi feito quando nada era permitido.
Dentro deste contexto, o teatro fez o que pôde para sobreviver com seus pensamentos, idéias e maneira de atuar, sem ter que recuar diante de um governo autoritário e violento. E o faz com uma raiva que as circunstâncias justificam e que talvez, seja reforçada pelos ecos que anunciam a radicalização dos movimentos da juventude em vários países. Mas ao mesmo tempo, preocupa-se com o que a violência no teatro tem de potencialmente irracional (Michalski, 1985).
Reunidos na Associação Brasileira de Imprensa, artistas de teatro e cinema protestaram contra a invasão e depredação do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, e o espancamento do elenco e de membros da equipe técnica do espetáculo "Roda Viva". Os artistas presentes à reunião, entre eles Tônia Carrero, Paulo Autran, Norma Benguel, Oduvaldo Vianna Filho, Osvaldo Loureiro, Flávio Rangel, Norma Blum e Cecil Thiré, exigiram a detenção dos culpados e a condenação "do terrorismo de direita". O espetáculo já havia terminado quando cerca de 20 pessoas começaram a depredar tudo, gritando que eram do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e que não admitiam obscenidades no teatro. O público retirou-se rapidamente, enquanto os agressores partiram em direção ao camarim dos atores, quebrando o que encontrassem pela frente. Armados de revólveres, cassetetes, soco-inglês e martelos, espancaram o elenco da peça, despiram as atrizes e obrigaram Marília Pêra e Rodrigo Santiago, também despidos, irem para a rua (Michalski, 1985).
Os agressores, após a depredação e a violência, debandaram e fugiram numa perua Kombi e num sedan Volkswagen bege claro, mas alguns atores conseguiram deter três desses elementos. Um primeiramente, que foi entregue a policiais da Rádio Patrulha, que os deixaram escapar. Outros dois que foram levados pessoalmente por atores e um de seus advogados ao DOPS. Um deles foi identificado como advogado formado no Mackenzie: Flavio Ercole. O outro como estudante de Economia do Mackenzie, que seria também sargento do Exército segundo foi dito na Assembléia realizada, logo após, no teatro Ruth Escobar (Dort, 1977).
Para se defender de um possível ataque do CCC, a turma do Oficina inventou uma grade de madeira ocupando todo o palco, que descia no fim da peça. Além de fazer parte do cenário, ela defendia os atores contra o CCC e dava o sentido ao texto da peça (prisão de Galileu, de Brecht), que era, de certa maneira, a mesma do grupo. Comentava-se que o CCC era uma das mais raivosas e violentas facções da época, à direita da burguesia, e que certamente seria protegida pela polícia, no caso de agressões físicas aos artistas.
O clima de perseguições aos intelectuais e artistas comunistas, e aos democratas de uma maneira geral - todos igualmente considerados malditos -, continuava nas piores proporções de violência possível. O ápice de todos foi a invasão policial ao restaurante do Calabouço no Rio quando mataram o estudante Édson Luís. Seus colegas levaram o corpo para a Assembléia Legislativa. Teatros suspenderam os espetáculos.
Segundo Gaspari (2002), a nação estava apavorada e sem rumo, terminavam sendo educados a serem cada dia pior, desconfiados, dedos-duros, falsos e mais pobres culturalmente. O medo da inteligência instalava-se como um vírus na população.
A classe média se afastou de vez do teatro, influenciada pela campanha que o esquema dominante havia desfechado contra ele, fazendo-o aparecer perante a opinião pública como um antro de perversões, violências e subversão. O mais prudente para o potencial espectador era passar longe das bilheterias.
Não há como negar, que a barulhenta arte do chamado teatro de agressão, assustou bastante o público tradicional, e, em vez de fazer de tudo para não perder o espectador e forçá-lo a participar ativamente dos acontecimentos cênicos, fizeram o inverso, e o assustaram ainda mais, tornando as salas de teatro mais vazias do que nunca.
Segundo afirmações de Michalski (1985:39):
A qualidade dos espetáculos tende a nivelar por baixo, a maioria não passa, compreensivelmente, de uma prudente rotina. Mas o impulso de experimentação não se perde de todo; pelo contrario, as poucas realizações que se opõem à prudência reinante e escapam às malhas da censura revelam múltiplas formas de talento e mantém vivo um sadio clima de polemica.
Nesta época, houve muitos acontecimentos de violência, agressões e traumáticas ocorrências no setor cultural. Mas o teatro sobreviveu no sentido emocional, e novas e grandiosas peças foram lançadas sem o teor da violência nos palcos. Textos como "Na selva das cidades" de Brecht, trouxeram de volta o espectador às cadeiras dos palcos teatrais, e dessa forma os artistas foram se superando, e o glamour do teatro começou a ser resgatado passo a passo.
Todos esses acontecimentos acima se deram no histórico ano de 1968. Um ano que foi marcado pela sucessão de fatos históricos. Segundo Ventura (1988), a geração de 1968 o chamou de "o ano do novo", pois parecia ser o início de alguma coisa. Por outro lado esta não pode ser considerada uma geração falida, porque apesar de ambicionar uma revolução total, não conseguiu mais do que uma revolução cultural. Porém, para Ventura (1988:16): "arriscando a vida pela política, ela não sabia, porém, que estava sendo salva historicamente pela ética".
O conteúdo moral foi a melhor herança que a geração de 1968 deixou para um país cada vez mais governado pela falta de memória e pela ausência de ética.
O tempo passou e passaram muitos dos acontecimentos para essa nossa já histórica falta de memória cultural. Mas o teatro se mantém e se renova a cada dia.
Com um maior número de atores se formando, surgem mais grupos teatrais e o teatro brasileiro passa a se diversificar. Comédia e drama se ramificam de modo criativo, com montagens inesperadas. Muitos atores se unem para fazer a criação coletiva do espetáculo. Dos grupos permanentes em plena atividade hoje em dia podemos destacar o Grupo Tapa, Parlapatões Patifes e Paspalhões, Cia do Latão, Teatro da Vertigem e o grupo do diretor Antunes Filho, além do Teatro Oficina de Zé Celso, entre outros. Cada um segue uma linha de atuação e conquista seu público.
Segundo Alexandre Elias (2004), atualmente o TBC não se encontra em posição confortável, estando prestes a fechar de novo. O Teatro Brasileiro de Comédia foi reaberto em 1999, depois de um processo de reforma e restauração de R$ 4 milhões, financiados pelo empresário Marcos Tidemann. Mais de 50 peças já foram realizadas lá, desde sua reinauguração até hoje. O teatro reconquistou seu público, e aparentemente estava tudo dando certo. Mas funcionários já foram demitidos, as chaves já foram entregues. Ou seja, mesmo com o investimento feito, mesmo com público, o TBC fechará suas portas. Não existem explicações declaradas sobre o novo fechamento do TBC. Procuramos na Internet e nenhuma explicação existe. Ainda, segundo Elias (2004) "Um famoso diretor brasileiro disse que o Teatro (ou a arte teatral) vai acabar, em mais ou menos 30 anos. Será que é isso mesmo? Será que não adiantam esforços, o Teatro está mesmo condenado?"
E do inesquecível TBC, apenas restarão as lembranças dos tempos dos aplausos e sorrisos e o orgulho de seus nobres artistas remanescentes como Fernanda Montenegro e Flavio Rangel, que participaram de corpo e alma daquela época de luta e coragem, ainda permanece em seus interiores, e jamais serão esquecidos por eles, que vivenciaram épocas tão difíceis para o teatro brasileiro.
São Paulo é ainda o principal pólo de teatro do Brasil. O grande número de salas, escolas de teatro e cursos livres possibilita uma renovação e crescimento constantes. Dentre eles pode-se destacar aqueles que proliferam dentro das universidades como na Unicamp, a Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo - USP, a Faculdade Paulista de Artes e também no Centro de Comunicação de Artes (Senac), e nas escolas teatrais como; Célia Helena, Macunaíma e Carmina Domus. Podemos contar com cursos livres também, como por exemplo: Casa do Teatro, Studio Cristina Mutarelli, Espaço do Ator, Oficina Cultural Oswald Andrade e muitos outros.
Devemos lembrar a importância que o valor dos artistas de teatro deram ao cumprir a tarefa de replicar e dar voz à cidadania. No entanto, a sombra do autoritarismo que teve no teatro a sua maior vítima ainda permanece. Ainda é possível perceber, dentro da comunicação, os resquícios de seus efeitos fatais.


(*) Carlos Aparecido dos Santos é bacharelado e licenciado em História pela Fundação Santo André - SP e professor de História no Ensino Médio no Instituto de Ensino de São Caetano do Sul.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ELIAS, Alexandre. Não deixem o TBC fechar! Disponível na web em http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1569,1.shl . Acesso realizado em 20 dez 2004.
GASPARI, Elio. Ditadura envergonhada. São Paulo Editora: Cia. das Letras, 2002.
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MARINHO Henrique. O teatro brasileiro: alguns apontamentos para a sua história. Paris/Rio de Janeiro: H. Garnier, 1904.
MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
PEIXOTO, Fernando. O que é teatro. São Paulo: Brasiliense, 1980.
RENONES, Albor Vives. O riso doído: Atualizando o Mito, o Rito e o Teatro Grego. São Paulo: Editora Agora, 2002.
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VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de teatro. Porto Alegre: L&PM, 1987.
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. São Paulo: Nova Fronteira, 1988.
VERÍSSIMO, José. Martins Pena e o Teatro Brasileiro. In: Estudos de literatura brasileira 1.ª Série, Belo Horizonte: Ed. Itatiaia / São Paulo: EDUSP,1976.

por que abrir os arquivos?

O direito à verdade e os arquivos sigilosos
Marlon Alberto Weichert
“Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.”
Afonso Romano de Sant’ana
O artigo 5º da Constituição Federal incorporou ao rol dos direitos fundamentais o direito à verdade. Primeiro no inciso IX, ao contemplar a liberdade de imprensa (direito de informar), depois no inciso XIV, ao assegurar o direito de buscar informação, e finalmente no inciso XXXIII, que garante ao cidadão e à coletividade serem informados, e obriga o Estado a informar.
Para o propósito deste artigo, assume relevo este último inciso, assim grafado: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”
Logo, todo e qualquer cidadão pode acessar os arquivos públicos e, ressalvados os casos de proteção à intimidade, consultar documentos mantidos ou possuídos pelo poder público. Não há sequer a necessidade de justificar o interesse em conhecer a informação.
A transparência dos arquivos estatais é um imperativo para o exercício da cidadania e da soberania. Reforça os princípios do Estado democrático de direito e republicano (“todo o poder emana do povo”). Sem o conhecimento da história do País, o povo não pode exercer com liberdade, maturidade e responsabilidade o direito à auto-determinação.
A norma constitucional admite, porém, que documentos sejam mantidos sob sigilo quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. É uma exceção – pontual e razoável –, através da qual se permite que o Estado omita, em especiais situações, o conhecimento público de dados e informações, pois a sua revelação precipitada poderia ser danosa para o País. Essa hipótese ocorre, por exemplo, com aspectos da defesa militar, estratégias comerciais e de política exterior, atividades de inteligência da polícia etc.
Enfatize-se, porém, que o sigilo é medida excepcional, devendo ser formalmente justificado. O Estado tem o ônus de demonstrar que o segredo é indispensável para prevenir graves prejuízos ao interesse coletivo. Não pode transformar supostos riscos em fundamento para a omissão de documentos. Evidentemente, tampouco está contido na exceção constitucional o sigilo para preservar interesses individuais de autoridades, ou a possibilidade de esconder da população fatos do passado apenas por serem desabonadores de biografias. Por outro lado, o dano que justifica o sigilo deve ser atual e relacionado diretamente com os interesses da nação, não sendo admissível o segredo eterno.
O Congresso Nacional, em 1991, editou a Lei nº 8.159, estipulando o prazo máximo de 30 anos, prorrogável uma única vez por igual período, para manutenção da reserva de acesso a documentos, e admitindo, também, o segredo de informações por 100 anos, quando necessário à defesa da honra e da imagem de pessoas. Essa lei foi objeto de seguidas regulamentações presidenciais, destacando-se o Decreto nº 4.553, editado em 2002. Em flagrante inconstitucionalidade por estipular limite superior ao fixado na lei (decreto não pode contrariar uma lei), determinava o trancafiamento por 50 anos dos documentos considerados ultra-secretos, prazo esse prorrogável indefinidamente, conforme a vontade do primeiro escalão do Executivo.
No atual governo e legislatura foi editada a Lei nº 11.111/05, fruto da conversão de uma medida provisória. Ocorre que a Constituição brasileira, no artigo 62, proíbe expressamente que esta espécie de ato normativo seja empregada para legislar sobre cidadania, dentre outros temas relevantes (nacionalidade, direitos políticos, direito penal etc.). Com efeito, a medida provisória é um ato de urgência. Eventualmente, é editada de afogadilho pelo presidente da República, para atender a demanda imprevisível e relevante. Da mesma forma, no Congresso Nacional é apreciada em regime célere, sem o curso normal do processo legislativo e sem discussão com a sociedade. A edição de uma lei, ao contrário, é fruto de debate público e democrático nas duas casas do Congresso, sob um procedimento apto à produção da norma com maturidade e legitimidade política e jurídica. Vale dizer, as medidas provisórias não são adequadas para tratar de direitos fundamentais caros ao cidadão, pois têm deficiente legitimidade popular. Nem mesmo a sua posterior conversão em lei convalida esse vício, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
Regular o acesso a documentos mantidos ou possuídos pelo Poder Público é limitar o exercício da cidadania. É restrição do direito à verdade. É matéria para a qual não poderia ser empregada a medida provisória. A edição da Lei nº 11.111 violou, portanto, a Constituição.
Mas não é só. A nova lei, que se esperava viesse a ser produzida com base em valores democráticos e para triunfo da transparência, pretende institucionalizar de vez o descaso com o direito à verdade, pois permite o sigilo eterno de documentos, através de decisão de uma Comissão composta apenas por integrantes do governo.
Ademais, não enfrenta um dos principais problemas relacionados à liberação de arquivos secretos, que é a insegurança quanto à própria existência dos documentos. Informações contraditórias e muitas vezes não verossímeis sobre a destruição de importantes fontes de dados são freqüentemente difundidas, deixando os cidadãos que foram atingidos por atos do poder público, familiares, e a sociedade, impedidos até mesmo de saber o que pesquisar.
É preciso construir um modelo de acesso aos arquivos do Estado compatível com a promoção dos direitos fundamentais. Uma nova legislação deve ser editada, reflexo de uma discussão aprofundada e de um processo democrático no Congresso Nacional.
Propomos que essa lei contemple:
1) a realização de um inventário dos documentos que estão arquivados sob sigilo, apontando: (a) o assunto sobre o qual versam; (b) os motivos do sigilo e quais danos podem resultar de sua divulgação; (c) a autoridade que os classificou; (d) o prazo ou evento fixado para a liberação do seu conteúdo; (e) se o segredo é em relação a todo o documento ou apenas parcial; e (f) o órgão responsável pela sua conservação;
2) a constituição de uma comissão plural para a elaboração e a sistematização dessa relação geral de documentos sigilosos. Dotada de amplos poderes de requisição, busca e análise, e submetida a rígido dever de silêncio, deve ser integrada por representantes do Executivo, do Legislativo, do Ministério Público, da Universidade pública, do Arquivo Público e também da sociedade civil;
3) a obrigação das autoridades, quando classificarem documentos como sigilosos por prazo superior a 1 ano, formalizarem a decisão com os mesmos elementos referidos no item 1 acima;
4) a criação de um índice unificado de documentos federais sigilosos;
5) a instituição de um procedimento administrativo para impugnação da decisão que classificou o documento como sigiloso;
6) procedimentos para divulgação parcial de documentos, com a ocultação do que for apenas imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
7) limitação do prazo inicial de sigilo para 10 anos, prorrogável por no máximo 2 períodos adicionais (total de 30 anos);
8) instituição de um órgão colegiado de revisão obrigatória de todas as decisões de prorrogação de prazos de sigilo, bem como de julgamento administrativo das impugnações de classificação, composto por representantes das mesmas instituições mencionadas no item 2 supra.
Desarquivemos o Brasil.
São Paulo, 24 de junho de 2005.
Marlon Alberto Weichert é Procurador Regional da República.

extraído de: http://www.torturanuncamais-rj.org.br/sa/default.asp

e os arquivos da ditadura militar?

Os cadáveres (e os fantasmas) insepultos da ditadura militar


Um espectro incômodo e persistente acompanha a política e a sociedade brasileira atualmente. De vez em quando ele aparece nas páginas dos jornais, nas ondas dos rádios, nas telas das tevês e agiganta-se nas páginas da internet. Trata-se do “fantasma” dos mortos e desaparecidos políticos em confronto com a Ditadura Militar brasileira (1964-1985). Agora mesmo, ele reaparece com toda a força, trazendo consigo justificativas, debates, polêmicas, discursos e notas informativas (oficiais ou não), alimentando paixões de um lado e de outro, despertando sofrimentos e feridas que estavam lentamente se cicatrizando, reascendendo a chama por justiça e dignidade.

E reaparece de forma solene, com pompas e circunstâncias, no salão azul do Palácio do Planalto. Falo do lançamento do livro-relato, produzido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, através da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos: Direito à memória e à verdade [1].

A Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos foi instituída pela Lei No. 9.140, de 04 de dezembro de 1995. O objetivo principal da comissão tinha como ponto de partida o reconhecimento de pessoas que participaram ou foram acusadas de participação em atividades políticas no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 [2], ou que faleceram em circunstâncias não naturais, em dependências policiais ou assemelhadas do Estado. Outros objetivos da comissão eram de envidar esforços para localizar as pessoas (ou os restos mortais) desaparecidas, além de emitir pareceres sobre possíveis requerimentos de familiares que solicitavam indenização. A lei No. 9.140 ainda reconhecia, oficialmente, 136 pessoas, que tinham sido mortas por participar ou acusadas de participar em atividades políticas no período estabelecido [3].

Posteriormente foram publicadas mais duas leis sobre o assunto. A Lei No. 10.536, de 14 de agosto de 2002, que autorizou a Comissão Especial a ampliar o reconhecimento das pessoas que tivessem participado ou sido acusadas de participação nas atividades políticas no período de 02 de setembro de 1961 até 05 de outubro de 1988 (data da publicação da nova Constituição Brasileira). E a Lei No. 10.815, de 01 de junho de 2004, que ampliou os objetivos da Comissão Especial, autorizando que a mesma emitisse pareceres sobre as pessoas falecidas em virtude de repressão policial em manifestações públicas ou em conflitos com agentes do poder público; e ainda que tenham falecidas em decorrência de suicídio praticado na iminência de serem presas ou por seqüelas psicológicas resultantes de atos ou torturas praticados por agentes públicos.

O livro traz o relato do trabalho da Comissão Especial, que durante os 11 anos desde a sua instituição, analisou 339 casos de mortos e desaparecidos, além dos 136 casos constantes no anexo I da Lei No. 9.140, sendo que um deles foi excluído da relação, conforme informado na nota número 3. Além desses 474 casos, o livro traz informações de mais 30 pessoas (a grande maioria camponesas) que desapareceram em circunstâncias não esclarecidas durante a repressão à Guerrilha do Araguaia.

O livro está organizado cronologicamente. Num primeiro momento, faz uma breve análise dos casos de pessoas mortas ou desaparecidas antes do golpe militar de 1964. Depois, dedica mais de 2/3 das suas páginas para apresentar as vítimas da ditadura, entre os anos de 1969 e 1985. O livro rompe com o estilo cronológico em apenas dois momentos: quando apresenta as vítimas da Guerrilha do Araguaia, que faz em um único conjunto (p. 195 a 271) e quando dedica algumas páginas aos argentinos desaparecidos no Brasil.

Geralmente faz um breve histórico de cada pessoa, informando a data de nascimento e a data da morte ou do desaparecimento, qual tipo de militância que essa pessoa exercia (em partidos ou organizações de esquerda, em sindicatos, nas igrejas, nas organizações camponeses etc). No breve histórico que apresenta de cada pessoa, o livro procura mostrar um pouco da história de vida e identificar as fontes que sustentam as suas atividades políticas e, conforme o caso, das sevícias e torturas sofridas pelos órgãos de repressão da Ditadura Militar.

É importante frisar que o livro também reconhece que os enfrentamentos entre os órgãos de repressão e os militantes políticos de oposição ao regime também produziram vítimas entre os militares. Embora uma coisa é certa: estes tiveram a facilidade em recolher os seus mortos e sepultá-los com todas as honras e reverências imanentes desses casos.

Na realidade, do ponto de vista das informações, o livro não traz nenhuma novidade. Os casos já são sobejamente conhecidos e já foram detalhados em outras publicações, como por exemplo, nos livros: Brasil Nunca Mais e Dos filhos deste solo [4]. A única novidade e, diga-se, extremamente importante e histórica, é a publicação ser oficial. Ou seja, o livro-relato é um documento oficial produzido pelo Estado, reconhecendo que houve mortes e desaparecidos políticos durante a ditadura militar; e que essas “mortes” e “desaparecimentos” foram frutos das ações violentas e sanguinárias do Estado.

Como muito bem enfatizaram os editores do livro na apresentação [5], a publicação de um documento como esse mostra, de um lado, o fortalecimento das instituições democráticas do país nas últimas duas décadas, mas de outro, a dificuldade em superar os obstáculos de se evidenciar a verdade e os acontecimentos que ocorreram nos porões da ditadura e as lamentáveis atrocidades que ocorreram no nosso período recente.

O livro, evidentemente, é um primeiro passo importante. Mas só um primeiro passo. Existem dois outros que são profundamente necessários. Um, do ponto de vista humanitário: proceder a localização dos restos mortais das pessoas desaparecidas e entrega-los aos familiares, para que estes possam realizar os seus rituais religiosos de enterrar os seus entes queridos. E outro, do ponto de vista histórico e social: a abertura dos arquivos da repressão.

Uma sociedade que está construindo a sua democracia às duras penas, como a nossa, não tem o direito de esconder o seu passado. Ele precisa constantemente ser revisitado, estudado, esquadrinhado, para que os nossos erros sejam purgados, para que a nossa memória seja preservada, e para que, à luz da nossa história, possamos construir um futuro melhor. E não se trata apenas de buscar a abertura dos arquivos da ditadura militar, fundamental, enfim, para entender a nossa história recente. Existem muitos arquivos, públicos e privados, que precisam ser abertos.

Os arquivos militares guardam mais coisas do que apenas os acontecimentos durante o período da ditadura. Só para citar um exemplo que conheço bem: o arquivo (ou o depósito) da 5a. Região Militar, sediada em Curitiba, tem informações relevantes sobre a Guerra do Contestado, sobre as revoltas camponesas que ocorreram no Estado do Paraná e em Santa Catarina, sobre o período do Estado Novo, sobre a presença de italianos, japoneses e alemães durante o período da segunda Guerra Mundial, além evidentemente, das ações dos movimentos sociais e políticos durante o período militar. Mas essas informações não estão disponibilizadas para a sociedade. Um outro caso, são os arquivos das polícias políticas de diversos estados do país, que ainda não foram franqueados à sociedade e aos pesquisadores.

E por fim, mais um exemplo: quantas dificuldades os historiadores encontram para acessar os arquivos judiciais de cidades de zonas de fronteiras (negados, geralmente por juízes inescrupulosos), que revelam crimes do cotidiano, mas também a violência contra os camponeses, os posseiros e as populações pobres que labutam e lutam pela terra?

Trata-se, evidentemente, de um debate mais amplo e necessário. Nem tanto aos militares, que criticam o debate sobre a abertura desses arquivos, vendo-o como uma forma de vingança da “esquerda” ou, como eles rotulam: para facilitar “a indústria da indenização de criminosos políticos” [6]; e nem tanto a algumas organizações (entre elas a dos familiares que, aliás, tem os seus motivos) que acham que a punição dos culpados resolve tudo. A abertura dos arquivos é um direito da sociedade, que interessa, sobretudo, à política e à história. Não precisamos temer os nossos fantasmas. Cabe-nos o direito de exorcizá-los a favor de uma sociedade mais humana e democrática.

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[1] Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à memória e à verdade. Brasília: SEDH, 2007. 400p. Livro lançado oficialmente no Palácio do Planalto, no dia 29 de agosto de 2007. A versão eletrônica do livro pode ser consultada em: www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.

[2] Esse período toma como referência as datas em que os militares tentaram impedir a posse de João Goulart, como presidente constitucional, até a publicação da Lei de Anistia.

[3] Posteriormente, uma pessoa das relacionadas no anexo I da Lei No. 9.140 foi encontrada viva e retirada da relação.

[4] ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca mais – um relato para a história. Petrópolis: Vozes, 1985. MIRANDA, Nilmário; TIBÚRCIO, Carlos. Dos filhos deste solo - mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do estado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo / Boitempo Editorial, 1999.

[5] A apresentação do livro foi realizada pelo Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi e pelo atual Presidente da Comissão Especial, Marco Antônio Rodrigues Barbosa.

[6] CANTANHEDE, Eliane. Militares criticam livro que acusa ditadura por torturas. Folha de S. Paulo. Caderno Brasil, p. A13. 28 ago. 2007.

extraído de: http://www.espacoacademico.com.br/076/76priori.htm