sábado, 5 de enero de 2008

a flor e a nausea


A Flor e a Náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas,Vou de branco pela rua cinzenta.Melancolias, mercadorias espreitam-me.Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me'?Olhos sujos no relógio da torre:Não, o tempo não chegou de completa justiça.O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.Em vão me tento explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos.O sol consola os doentes e não os renova.As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em muitos, outros escondi. Alguns achei belos, foram publicados. Crimes suaves, que ajudam a viver. Ração diária de erro, distribuída em casa. Os ferozes padeiros do mal.Os ferozes leiteiros do mal.Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.Ao menino de 1918 chamavam anarquista.Porém meu ódio é o melhor de mim.Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.Uma flor nasceu na rua!Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.Sua cor não se percebe.Suas pétalas não se abrem.Seu nome não está nos livros.É feia. Mas é realmente uma flor.Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tardee lentamente passo a mão nessa forma insegura.Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. (Carlos Drummond de Andrade)

1 comentario:

Melina Perussatto dijo...

"Uma flor nasceu na rua! [...] Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor."

Genial essa metáfora. Faz-me pensar em tantas coisas... especialmente naquelas flores que não estão nos livros, mas que recheiam os papéis amarelados do APERS, as ruas de Porto Alegre, o lado externo do Mercado Público: Manoel Marinho, Roberto Carlos da Silva, uma índia caingangue com um filho de colo e tantos outros anônimos...

Eis que um blog nasceu na rede. Um blog que pretende fazer a diferença.

Um salve da compa que acredita nas idéias de Charles Brito (com um T. por favor),

Melina.