domingo, 20 de enero de 2008

sobre venezuela

Venezuela: Dicionário de eufemismos da oposição liberal

por James Petras

Nos nossos tempos, os discursos e os escritos políticos são em grande medida a defesa do indefensável... Assim, a linguagem política tem de consistir sobretudo de eufemismos, de circunlóquios e de imprecisões absolutamente turvas... Tal fraseologia é necessária se alguém quiser nomear as coisas sem apelar aos respectivos quadros mentais. George Orwell, "Politics and the English Language", em Why I Write.



O processo político venezuelano no período pós-referendo (após 02/Dezembro/2007) experimentou um debate de largo alcance, no qual têm participado tanto críticos como apoiantes do caminho venezuelano para o socialismo. A extrema-direita e o Departamento de Estado dos EUA têm focado exclusivamente aquilo a que chamam a reacção popular contra o "autoritarismo" do Presidente Chavez, a sua "agenda radical" e têm procurado explorar a ocasião a fim de desacreditar o Presidente através da sabotagem dos esforços de Chavez (apoiado pela França e a maior parte dos regimes latino-americanos) para negociar uma troca de prisioneiros entre as guerrilhas das FARC-EP e o regime de Uribe na Colômbia. Duas semanas após o referendo, o Governo Federal [dos EUA] fabricou um processo ligando o governo venezuelano a uma tentativa de financiar as eleições presidenciais na Argentina. A ofensiva de propaganda dos EUA e da extrema-direita falhou e atear qualquer resposta no interior da Venezuela e fracassou completamente.. Todos os principais aliados americanos na Europa (excepto a Inglaterra) e na América Latina (excepto o México e o Chile) repudiaram os ataques americanos contra Chavez.
O discurso político anti-Chavez que tem tido alguma repercussão na Venezuela e em outros países, especialmente entre liberais, políticos, activistas progressistas e académicos social-democratas, tem sido articulado por académicos venezuelanos ligados a ONGs financiadas por fundações estrangeiras e que se posicionam como "centro-esquerda". Uma leitura crítica textual dos escritos da centro-esquerda revela uma narrativa repleta de eufemismos, restrita à linguagem e retórica dos movimentos sociais mas que quando desconstruída revela uma hostilidade básica para com a análise de classe e a transformação social. Tal como George Orwell escreveu outrora, os intelectuais políticos são os mestres dos eufemismos, utilizando linguagens que obscurecem o significado de políticas reaccionárias. "A linguagem política é concebida para fazer com que mentiras soem verdadeiras e o assassínio respeitável, a fim de dar uma aparência de solidez ao simples vento" (George Orwell, Why I Write). A RETÓRICA LIGHT Os ideólogos académicos de centro-esquerda da Venezuela dominaram todo um repertório de eufemismos, os quais põem em acção para atingir objectivos políticos específicos: Unir tecnocratas e liberais incrementalistas no governo Chavez com a oposição liberal a fim de bloquear qualquer transformação social igualitária das relações de propriedade e da transição para o socialismo. Como declarou um dos mais ilustres estadistas e antigo ministro da Cultura de Cuba, Armando Hart, "A batalha de ideias é parte integral da luta pelo socialismo". Um primeiro passo para desmistificar a retórica da centro-esquerda corporificada na sua narrativa contra-revolucionária é aplicar a análise crítica a alguns dos eufemismos políticos chave que eles utilizam para atacar o governo Chavez e as suas políticas. Eufemismos são abusos de linguagem utilizados pelos professores anti-Chavez para obscurecer interesses ideológicos e de classe e as suas lealdades. Para os objectivos deste ensaio, seleccionei um texto de Edgardo Lander, um eminente sociólogo venezuelano e crítico das tendências revolucionárias no governo chavista. O seu ensaio "El Proceso político en Venezuela entra en un encrucijada crítica" é um exemplo excelente da utilização da linguagem política a fim de ofuscar as realidades políticas, confiando em eufemismos para dar "uma aparência de solidez ao que é puro vento". No período pós-eleitoral, os críticos de centro-esquerda pediram um retorno ao "pluralismo" como um antídoto ao "autoritarismo". "Pluralismo" é um eufemismo para uma sociedade de classe (múltiplas classes = plural), na qual a classe capitalista domina o sistema eleitoral ("partidos plurais" = dominação pelos capitalistas que os financiam). "Pluralismo" é um eufemismo comum utilizado pelos académicos burgueses porque é um conceito vago e abstracto que obscurece as questões dos donos da propriedade e da concentração dos meios de produção e de comunicação. Na realidade, não há nada "plural" quanto às democracias capitalistas, por qualquer medição de poder e riqueza. A existência de múltiplas classes, políticos e partidos conta-nos pouco ou nada acerca das relações sociais, concentração de poder e desigualdades de acesso ao Estado. DE QUEM É INDEPENDENTE UM BC? Os críticos académicos de Chavez escrevem acerca da "independência do Banco Central". Esta noção vaga e abstracta implora a pergunta: independência de quem e para que interesses e propósitos? Bancos Centrais que não prestam contas a responsáveis eleitos respondem aos mercados financeiros, ou mais precisamente aos banqueiros internacionais e locais e aos investidores. Isto é obviamente o caso em quase todas as democracias capitalistas onde a selecção dos governadores do Bancos Centrais é baseada nos seus laços, histórias e relacionamentos favoráveis ("confiança") com o capital financeiro internacional. Em contraste, um Banco Central sujeito ao controle de responsáveis eleitos pode ser influenciado pelos eleitores, pela opinião pública e por movimentos sociais que os pressionem por políticas monetárias favoráveis. Quando liberais objectam ao aumento do acesso das classes populares ao governo e à perda do monopólio da classe média em relação às verbas orçamentais do governo, eles recorrem a apelos a "políticas abertas". Isto é nomeadamente a reabertura das portas da frente da decisão política a conselheiros académicos liberais e social-democratas. "Políticas abertas" é um refrão apregoado frequentemente pelo Estado imperial americano quando as suas ONGs financiadas por fundações e redes políticas que pressionam pela "mudança de regime" consideram difícil avançar devido à maior vigilância para frustrar as suas operações de desestabilização. A questão evitada pelos críticos académicos é "aberta" para quem e "para que interesses políticos"? No caso da Venezuela, a "falta de abertura" real é em grande medida uma função do controle monopolista da oposição sobre 90% dos media electrónicos e impressos e do predomínio ideológico de académicos da oposição em universidades públicas e privadas e nas salas de aula (incluindo a Universidade Central da Venezuela). Em contraste, os sindicatos, associações comerciais, movimentos da sociedade civil de todas as tendências têm florescido durante a década Chavez – no que é talvez a mais vibrante expressão de "políticas abertas" no Hemisfério Ocidental. Nestas condições, o que significa então o apelo pelo recurso a "políticas abertas"? É simplesmente uma "defesa do indefensável" – a manutenção do controle monopolista privado dos mass media contra quaisquer tentativas de expandir e aprofundar o acesso popular e o controle sobre os meios de comunicação. Os académicos liberais não podem declarar simplesmente: "Não democratizem os media, nós defendemos o direito de os grandes conglomerados privados controlarem os media, incluindo o seu direito a incitar e defender golpes militares". Ao invés disso eles recorrem a eufemismos vazios como "políticas abertas" – com o efeito de desarmar o governo popular e minar suas tentativas de abrir o acesso dos mass media às classes populares e aos seus interesses. Uma das formas mais insidiosas dos esforços das classes dominantes americanas e europeias para minarem movimentos de massa autónomos é o financiamento, treino e proliferação das enganosamente auto-etiquetadas "Organizações Não Governamentais" (ONGs). Os críticos académicos liberais (CAL) do governo democraticamente eleito de Chavez reflectem e imitam a retóricas das ONGs – acusando a Venezuela de falta de participação popular e desencorajando "o debate aberto e democrático". Os CAL nunca consideram a anomalia de que os líderes das ONGs nunca sejam eleitos, que as suas propostas de financiamentos externos nunca sejam debatidas ou votadas pelos seus auto-designados beneficiários e que elas moldem as actividades a fim de induzir os doadores das elites estrangeiras a financiarem os seus salários em divisas duras e veículos 4x4, computadores portáteis e a sua "equipe de secretárias", etc... Os maiores inimigos da responsabilização democráticas são as ONGs que nunca são criticadas ou mesmo mencionadas nos escritos políticos dos CAL no "processo político" venezuelano. A influência difusa e a proliferação de ONGs não é um factor menor no "processo político", menos ainda na Venezuela. À escala mundial há mais de 100 mil ONGs a receberem mais de US$20 mil milhões de dólares/euros dos centros imperiais. Ao contrário das auto-nomeadas ONGs e dos seus líderes e conselheiros académicos liberais, o Presidente Chavez consultou o eleitorado uma dúzia de vezes em eleições livres e abertas. Os seus programas são financiados pelos contribuintes venezuelanos e sujeitos à aprovação ou rejeição de legisladores eleitos. Os académicos liberais ao invés de exprimirem abertamente a sua objecção ao crescimento radical do apoio de massa organizado e ao debate referente aos programas socio-económicos do Presidente Chavez, recorrem a eufemismos acerca do estilo "plebiscitário" de governação – esquecendo as autoritárias lições ditadas nas suas salas de aula estimuladas por administradores "eleitos" por um estreito círculo de professores com emprego vitalício. ESTRANHA AMÁLGAMA Alguns dos eufemismos mais em voga dos críticos académicos liberais são "anti-estatismo", "sociedade civil" e "economia de mercado". "Estatismo" evoca e está associado com uma poderosa estrutura vertical insensível que oprime e empobrece o povo, e que responde apenas a burocratas autoritários. Apesar de não haver dúvida que várias agências do Estado na Venezuela são ineficientes e falham na execução dos programas do governo (especialmente políticas redistributivas), apesar da propriedade pública e das políticas fiscais, especialmente a política energética tem conduzido a um vasto aumento do financiamento de serviços públicos (saúde, educação e distribuição de alimentos) para os 60% de venezuelanos com rendimento mais baixo. A oposição ao "estatismo" traz consigo uma estranha amálgama de liberais autoritários da extrema-direita (Hayek, Friedman), neoliberais social-democratas (Blair, Giddens, Lula, Sarkozy e seus seguidores venezuelanos) e anarquistas libertários. As principais fontes de financiamento dos think tank, jornais e investigações dos críticos do "estatismo" são a Fundação Ford, as Fundações Ebert e uma sopa de letras de siglas de outras instituições da classe dominante. A demonização do "Estado" é o que junta os ideólogos da extrema-direita e do centro-esquerda. Em nome da "liberdade" anti-estatista, das actividades sem restrições, desregulamentadas e vorazes de capitalistas privados nacionais, os monopólios, bancos e corporações transnacionais podem florescer. O Estado é a única instituição potencialmente capaz de conter, controlar e confrontar as corporações privadas gigantes. A questão fundamental não é o "anti-estatismo" mas a natureza de classe do Estado e sua responsabilidade para com a maioria do povo trabalhador. O mais oco e enganoso conceito manipulado pelos "anti-estatistas" críticos académicos liberais do Presidente Chavez é o de "sociedade civil" quando falam em "apoiar a sociedade civil contra o Estado". "Sociedade civil" é um eufemismo para sociedade de classe, é um conceito que oculta divisões de classe fundamentais, organizações de classe conflitantes e relações de exploração. Versões abastardadas de "Escritos da prisão", de Gramsci, onde os seus censores fascistas forçaram-no a adoptar uma linguagem de Esopo, foram adoptadas pelos académicos liberais ao escreverem acerca de uma homogénea (sem classe) "sociedade civil" contra o "Estado" (opressivo). Na Venezuela, a "sociedade civil" está longe de ser homogénea, como é evidente com as suas profundas divisões de classe, polarização política e o abismo entre estratos da maioria popular que apoiam o Estado (liderado por Chavez) as classes altas. O discurso de oposição à "sociedade civil" é um dispositivo retórico utilizado pelos burocratas das ONGs e elites académicas liberais para obscurecerem a sua prática de colaboração de classe, o seu apoio ao capital privado contra a propriedade pública e atraírem assim grandes ajudas monetárias dos seus patrocinadores imperiais. Um dos eufemismos mais habitualmente utilizados é a referência por parte dos críticos liberais e social-democratas das políticas de Chavez à "economia de mercado". Trata-se de outro esforços para dar uma aparência de solidez ao que é puro vento. Os mercados existiram durante milhares de ano por todo o mundo sob uma grande variedade de sociedades e economias – desde a tribal, feudal, escravocrata, mercantil, capitalismo competitivo e monopolista. Há mercados locais baseados em produtores de pequena escala e mercados mundiais dominados por menos de um milhar de corporações multinacinais e instituições financeiras. A utilização de "economia de mercado" evoca imagens falsas de transacções por produtores/países iguais, recordando um passado que nunca existiu. A real "economia de mercado" existente é dominada pela competição e cooperação em grande escala de monopólios, os quais penetram todas as economias não reguladas. O seu poder e exploração só pode ser contido por Estados nacionalistas ou socialistas que prestam contas a movimentos de classe organizados e ao planeamento central. Qualquer discussão honesta e leal deve colocar a questão das estratégias económicas e do papel do Estado e do mercado na sua apropriada moldura histórico-mundial: capital imperial, Estado nacional, movimentos e instituições com base de classe. Quando questões de democracia e participação são discutidas seriamente, o foco não deveria ser exclusivamente sobre Estados mas deveria incluir também associações influentes na sociedade. Não há qualquer discussão ou menção, por parte dos teóricos liberal democratas venezuelanos, da pluralidade de associações autoritárias, não participativas e dominadas pelas elite de negócios, organizações cívicas, conglomerados privados de media, partidos tradicionais e sindicatos. Os seus líderes são reeleitos repetidamente (alguns pela vida toda) sem discordância ou competição e nem mesmo consulta aos seus membros. Os académicos liberais, além de ignorarem a estrutura vertical profundamente autoritária das instituições dominantes na "sociedade civil", falham até mesmo em colocar a questão de como esta pluralidade da instituição ditatorial da elite é compatível com a democracia. A cegueira analítica e moral dos académicos liberais para com o profundamente enraizado domínio arbitrário sobre a cultura, a economia e a sociedade por parte desta elite anti-democrática é o outro lado da moeda da sua preocupação unilateral com o défice democrático em instituições públicas eleitas e em partidos, sindicatos e associações de moradores favoráveis a Chavez. A profunda falta de clareza dos críticos de Chavez e do expoentes da ideologia liberal está intimamente relacionada com o seu pressentimento de que falar claramente e com precisão desmascararia a sua defesa dos mercados capitalistas; a sua oposição ao "estatismo" como oposição à propriedade pública; o seu apoio a instituições autoritárias da elite é a sua defesa da "sociedade civil"; a sua oposição às iniciativas radicais com base de massa de Chavez é apresentada como "autonomia popular". O MICROSCÓPIO E O TELESCÓPIO Os métodos dos críticos académicos liberais são tão reveladores da sua política reaccionária quanto as suas mal disfarçadas lealdades à classe dominante. Eles utilizam o microscópio para detectar defeitos no tecido dos movimentos sociais pro-Chavez, eleitores e políticas do governo Chavez, e um telescópio para descrever a descarada intervenção e colaboração em grande escala e a longo prazo do Estado imperial americano com os seus aliados venezuelanos. As exigências liberais são direccionadas unilateralmente para um lado do processo político. Um profundo criticismo em relação às organizações de Chavez, mas não para com os estudantes e académicos que foram financiados pelas agências do Estado americano. Aparentemente, a académicos que aceitam dinheiro do National Endowment for Democracy não se deveria pedir para "repensar criticamente" a sua colaboração com uma potência imperial que se comprometeu a destruir instituições democráticas. Os críticos académicos liberais confiam em subjectivos mexericos anedóticos para alimentar o seu rancor anti-Chavez, ao invés de factos abertos ao público. Preferem especular sobre a "ambiguidade presidencial" quanto ao resultado do referendo ao invés de ouvir e observar o imediato e franco reconhecimento da derrota no referendo pelo Presidente Chavez. A linguagem política do eufemismo é destinada a fazer com que mentiras soem verdadeiras, tornar a regra da exploração de classe respeitável e dar à retórica liberal-democrata a aparência de solidez. Este breve inventário do eufemismo é concebido para desmascarar as ideologias do anti-chavismo "light" e estimular o avanço do socialismo venezuelano.
05/Janeiro/2008 O original encontra-se em www.abpnoticias.com/boletin_temporal/contenido/articulos/petras_eufemismo.html Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .